Os impactos severos da seca e das queimadas na economia
Os impactos da maior seca das últimas décadas e das queimadas trazem reflexos para a economia brasileira. Os efeitos vão desde apagão na rede elétrica no Acre e Rondônia, acionamento da tarifa vermelha na conta de luz, escassez nos principais rios do Amazonas, que depende da navegação para fazer a economia girar, ao aumento de preços nos alimentos. Apesar da seca ter se intensificado entre maio e agosto deste ano, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) destaca que o fenômeno da estiagem começou no segundo semestre do ano passado a partir do Acre e Amazonas até São Paulo e o Triângulo Mineiro. Na última semana, ao menos 60% do país estava coberto de fumaça provocado por incêndios em diversos estados, o que colocou algumas cidades, como São Paulo, na lista das localidades com o ar mais poluído do IQAir, um monitor suíço da qualidade do ar.
"Como consequência, muitos municípios já enfrentam condições de seca por 12 meses consecutivos, o que tem reduzido significativamente os níveis dos rios e aumentado o risco de propagação de fogo. Ressalta-se que, além de sua intensidade, esta seca já se configura como uma das mais longas das últimas décadas", explica o Cemaden, em nota técnica. Com a presença do fenômeno El Niño, as chuvas não chegaram em todas as regiões que precisavam de água. Com isso, a vegetação, o solo e os rios não foram abastecidos de forma adequada para enfrentar a seca que começou mais cedo, de acordo com o Cemaden. Aliado a isso, as queimadas colocam o Brasil na liderança dos países da América Latina com maior número de incêndios nos últimos dias, com mais de 70% dos focos de calor concentrados em território brasileiro. Somente em São Paulo, são mais de 10 municípios com incêndios ativos nesta segunda-feira (16), segundo a Secretaria de Meio Ambiente, que conta com 12 aeronaves no combate às chamas.
A estiagem severa reduz a oferta de diferentes produtos às famílias em Manaus. Isso ocorre porque a capital é ligada aos municípios do interior por meio dos rios e seus afluentes, ou seja, o comércio flui pelas águas. Os níveis dos rios Fonte Boa, Manacapuru, Itacoatiara e Parintins estão abaixo da normalidade e não apresentam condições de recuperação, segundo análise do geólogo Igor Jacaúna em relatório da defesa civil do Amazonas. "O entendimento é que as cotas do médio e baixo Amazonas permanecerão o processo de vazante em níveis baixos para o período e de forma acelerada", explica.
Para a professora de economia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Lenice Vieira Sá, o custo da logística tende a aumentar conforme fica mais difícil o acesso à capital. "A seca dos rios traz transtorno não somente para o polo industrial de Manaus, com aumento do custo da logística que traz os insumos e materiais para nós, como para a produção agrícola do interior. Por exemplo, a produção de melancia do interior não vai conseguir trazer esses produtos ao centro consumidor, que é Manaus, porque a navegabilidade está ruim, com bancos de areia, troncos, porque o rio desceu muito. Não é só o Rio Negro, que ainda está navegável, mas o problema está nos rios do interior para a capital", afirma. Ela salienta que o aumento nos preços não se espalhou, por ora, porque a indústria tem insumos em estoque, uma lição que, segundo ela, foi aprendida a partir da experiência vivida no ano passado.
Em âmbito nacional, as expectativas para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – o índice inflação de oficial do país – passaram de 4,3% para 4,35% em 2024, segundo o boletim Focus desta segunda-feira (16). "O que mais impacta é o aumento no preço dos alimentos. Se eu tenho uma queimada num lugar onde saem os alimentos, a cadeia produtiva é puxada pelo efeito da queimada e pela seca", explica Fernando Henrique Dias, professor de economia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). "Então, o arroz, feijão e soja, tudo que é derivado disso sofre o impacto direto. E as frutas também. Você vai no mercado e já encontra algumas frutas com variação de 1% e 1,5% no preço, porque já repassam o custo ao consumidor", conta.
O Mato Grosso produz 3,5% dos alimentos consumidos no mundo, especialmente grãos e carne bovina exportada. Ao mesmo tempo, é o estado com o maior número de incêndios, com 1.379 registros na sexta-feira (14), conforme o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Famoso pela exportação de grãos no mundo, o Brasil agora enfrenta uma queda de 6% na safra de cereais, leguminosas e oleaginosas deste ano, conforme dados do Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse cenário combina preços baixos das commodities agrícolas, alterações climáticas com secas em alguns estados produtores e excesso de chuvas em outros, o que aumenta a insegurança dos produtores.
"A safra 2024 apresentou uma série de dificuldades desde a sua implantação. Houve falta de chuvas para a produção de soja e milho, e depois excesso de chuvas, culminando com as enchentes do Rio Grande do Sul. Tudo isso afetou a safra deste ano. É uma safra 6% menor do que a do ano passado, o que representa 19 milhões de toneladas a menos", analisa Carlos Alfredo Guedes, gerente de agricultura do IBGE, em nota. A estimativa é que impactos econômicos diretos das queimadas e da seca histórica somam R$ 17,2 bilhões apenas na agropecuária do Pantanal, em Mato Grosso do Sul, de acordo com o decreto de situação de emergência publicado no Diário Oficial do estado.
Energia elétrica mais cara
Em agosto, o Acre e Rondônia ficaram no escuro por cerca de três horas em decorrência de um apagão. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) tem como principal suspeita a sobrecarga do consumo de energia por causa das altas temperaturas e da seca histórica. O caso ainda é investigado. Contudo, isso já é motivo de preocupação para todo o sistema elétrico. "Com elevada temperatura, tem mais consumo de energia, com ar-condicionado e geladeira. As pessoas estão fugindo da fumaça e da seca, então ficam em casa, e consomem mais energia. Além dos alimentos, você vai ver o aumento da energia, também", observa Dias, da UFMT.
No final de agosto, o Ministério de Minas e Energia retomou a cobrança da bandeira vermelha na conta de luz. Isso significa um aumento de R$ 7,877 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) consumidos. Apesar da estiagem, a situação não deve se aproximar da vivida em 2015, segundo Ademar Ribeiro Romeiro, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). "Em São Paulo, o Sistema Cantareira não está com escassez, porque choveu em janeiro, fevereiro e março. A olhos vistos a gente passa pelas represas do Cantareira e, apesar dessa severa seca, ainda tem bastante água, ao contrário de 2015, que quase levou ao colapso. Não me parece que isso irá acontecer agora", crê.
O consumo de energia elétrica deve aumentar fora dos horários de pico, porque, segundo Sá, as famílias em algumas regiões não conseguem viver com dignidade sem um aparelho de ar devido às altas temperaturas. "Vai ter aumento no custo da tarifa de energia elétrica, a bandeira está mais cara, mas nós especialmente não conseguimos ter uma vida um pouco melhor se não tiver um ar-condicionado e um ventilador, então imagina o quanto irá impactar na despesa das empresas e das famílias em setembro e outubro", conclui.
Com Redação da B3
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