Shaná Tová, doce dentro do possível
Esta semana celebra-se a entrada do Ano Novo judaico. No final da próxima, virá o Dia do Perdão, para muitos uma data associada a outra guerra, deflagrada há mais de meio século lá em Israel. Encavalado entre as duas, há um 7 de outubro que, em tese, não se vincula este ano às efemérides religiosas. Mas que, ironicamente, irá além delas porque assinala o primeiro ano da invasão terrorista vinda de Gaza. Para além dos 1200 mortos na manhã famigerada, houve a odiosa tomada de reféns, e talvez 60 deles ainda estejam vivos nos socavões da Faixa. Em Israel, a violação territorial é um pesadelo recorrente. A soberania das fronteiras é ponto de honra da identidade judaica, para além da israelense. Como a Inteligência teria cometido semelhante deslize? Seria isso sintoma de um mal maior? Estaria a existência de Eretz em risco? Milhões mundo afora ficaram escandalizados com as cenas da rave: jovens puxadas pelos cabelos, uma anciã num carrinho de golfe e assassinatos à queima-roupa. Outros tantos pensaram: "Quem mandou deixarem organizar uma festa na boca do vulcão?" Muitos permanecem calados, reféns de sentimentos ambíguos. Ninguém se desesperou tanto quanto os judeus da Diáspora. Os israelenses são forjados na ação. Jogadores de futebol dizem que é mais aflitivo ver o clássico da arquibancada do que jogá-lo. Pois bem, em Israel a divisão de tarefas é natural: você divulga, você pega em armas, você cozinha, você protesta e, juntos, nós choramos. Não vamos dividir o país, só as missões que nos cabem. E na Diáspora? O que fazer? Em Gaza, houve erros de calibre na caça aos sicários. Isso ninguém nega. Mas e agora? Israel e os israelenses passam de novo por um momento delicado. O país perdeu simpatizantes, os judeus são apontados como cúmplices de opressores que, sob pretexto de defesa, dizimaram inocentes – por difícil que seja saber quem é civil em Gaza. Então, qual a última? Ora, o Irã achou que chegara a hora de morder o rabo do leão. Estando Israel enredado com os capangas do Hamas, acionou os prepostos do Norte para tirar proveito da agonia. Os mísseis começaram a chover na Galileia. Lançados do pé dos cedros do Líbano, a retaliação veio. Primeiro, foram-se os pagers, walkie-talkies e seus usuários. Depois, os turbantes voaram nos porões. Todo mundo ama o Líbano. Os próprios judeus adoram o país – especialmente o imaginado, o que alguns conheceram, a versão do paraíso sobre a Terra, espremido entre o mar e a montanha... até quando o mundo deixou que assim fosse. E, no entanto, 18 anos depois de fechar a cancela, os soldados israelenses voltaram ao Sul, na tentativa de fazer uma curetagem de regra no arsenal militar. Como forma, entre outras coisas, de dotar a Galileia de segurança. A população que viva na fronteira, correspondente a um Morumbi lotado, está acantonada mais ao Sul, fora da Zona de Exclusão que se criou, um simulacro de Chernobyl entre o Golã e o Mediterrâneo. A expedição ao Líbano não ajuda a imagem de Israel. A turma da arquibancada, espalhada pelo mundo, vê com desânimo o recrudescimento do antissemitismo, que se tornou um fato real. A academia rosna para o que chama de Sionismo. E, no entanto, nossos amigos judeus sonham com um ano novo doce, como reza a lenda. É possível? Sim. Para muitos deles, a vida já é um milagre. Com os nervos em frangalhos, eles vão da euforia à tristeza. E perguntam-se: quem são seus amigos verdadeiros numa época de sombras? É difícil saber. Sensíveis, eles se emocionam com a solidariedade; irritam-se com uma palavra inexata; tentam corrigir imprecisões vernaculares até dos aliados. Em parte, eles mesmos brincam, essa insatisfação permanente é quase cultural. No desespero, eles aceitam a amizade de biltres políticos, da vérmina dita "cristã" porque qualquer amigo é melhor do que nenhum. Os judeus de esquerda ficam como birutas de aeroporto em dia de tempestade. O recrudescimento do antissemitismo é um fato. Há judeus que dizem que "quem sempre nos odiou, vai continuar nos odiando." Outros tentam transpor as barreiras emocionais alheias e explicar o bê-á-bá da política regional. Os judeus não fazem proselitismo religioso, mas acham que cumprem uma Mitsvá quando abrem mapas, enumeram datas e falam de fluxos populacionais naquela terra gretada a que se sentem ligados por vínculos quase inexplicáveis para a maioria dos humanos. No mundo judaico, no fundo, as regras não são diferentes do que vale para a sociedade dos algoritmos. Eles sabem que se todo mundo virou antissemita, ninguém é antissemita. Assim como se todo mundo é fascista, ninguém é fascista. Eu sei, é difícil pensar em tudo isso no momento em que os mísseis iranianos caem na região central do país, enquanto eu digito do banco do ônibus essas mal traçadas linhas. Querem saber? Não é mais hora de intelectualizar. É hora de elevação espiritual. Aos judeus que conheço em muitos países, recebam os votos de Shaná Tova Umetuká deste velho amigo e torcedor. Poucos como eu lhes deve tanto em amizade, atenções e gentilezas. Os antissemitas não imaginam o que perdem quando privados de vocês. Vamos adiante. Que venha 5785. Faltam só 3761 para que alcancemos vocês. Kadima!
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