O que o governo de Trump significará para a globalização

No momento em que o presidente eleito, Donald Trump, “passar da campanha para o governo”, algumas realidades internas dos Estados Unidos e de fora do país se tornarão claras, declarou Geoffrey Garrett, reitor da Wharton, escola de Administração da Un...
O que o governo de Trump significará para a globalização

No momento em que o presidente eleito, Donald Trump, “passar da campanha para o governo”, algumas realidades internas dos Estados Unidos e de fora do país se tornarão claras, declarou Geoffrey Garrett, reitor da Wharton, escola de Administração da Universidade da Pensilvânia. Na visão de Garret, Trump deveria reescrever a Parceria Transpacífico (TPP) e fazer as pazes com o Nafta. “Outro desafio diz respeito ao cumprimento das suas promessas aos americanos que têm sofrido com a desigualdade crescente e com a estagnação da renda em décadas recentes em que a globalização e a mudança tecnológica impulsionaram o crescimento econômico. Daqui por diante, é preciso convencer as pessoas de que a globalização é boa para os Estados Unidos, mas que deve ser inclusiva”, argumenta ele. Acompanhe, a seguir, a entrevista completa. 

Qual o acordo internacional mais urgente a ser tratado por Trump?
Das várias questões internacionais na agenda, a mais quente de todas e a mais urgente é a que diz respeito ao TPP. A estratégia ideal, na minha opinião, consistiria em não assinar o acordo da TPP do jeito que ele está redigido hoje, e sim reformular praticamente tudo. A ideia por trás do plano era importante porque defendia um acordo de livre comércio de ambos os lados do Pacífico, unindo EUA, Canadá e México aos grandes países da Ásia Oriental. O acordo, conforme defendido por Obama, não era exatamente econômico, mas geopolítico. Foi um esforço feito pelo atual presidente para dizer ao mundo que éramos nós, e não os chineses, quem ditava as regras para o século 21. O TPP, basicamente, já nasce morto conforme redigido por Washington. A aplicação do acordo como formulado hoje criará, possivelmente, alguns desafios reais para a Ásia, uma vez que boa parte dos países asiáticos que assinaram o TPP o fizeram porque os EUA pediram que eles assinassem. Uma falha muito grave em sua forma atual é que ele não inclui a China, embora seja o país com maior volume de transações comerciais do mundo e a maior economia da Ásia. Trump terá de criar alguma alternativa ao TPP e uma alternativa que, na minha opinião, inclua a China. Ele disse que sabe negociar. Os chineses são comerciantes. Eu o encorajaria a tentar fechar um acordo comercial que fosse vantajoso para os dois lados [Trump declarou – em um vídeo divulgado na noite desegunda-feira (21) – que anunciará a retirada dos Estados Unidos da Parceria Transpacífico logo depois que tomar posse, em 20 de janeiro de 2017].

Por qual razão fazer um acordo com a China?
Os argumentos para que a China seja incluída no TPP são fortees. Obviamente, a Ásia se tornou um motor de crescimento importante para o mundo, não nos esqueçamos disso. Mas, no caso da China, os norte-americanos terão de se dar conta de duas realidades muito importantes. Uma delas é a centralidade do mercado chinês e dos consumidores chineses para as empresas americanas. A Apple monta seus aparelhos na China e o país responde por 25% do mercado mundial da empresa. Trata-se de um mercado de consumo de massa, e as empresas americanas se beneficiam enormemente disso. A segunda realidade que os norte-americanos precisam levar em conta são os investimentos chineses em empresas dos EUA. Os aportes externos chineses nos últimos 20 anos aproximadamente foram feitos em empresas americanas cobiçosas do mercado doméstico chinês. Daqui para frente, vamos ter de lidar com uma porção de investimentos externos chineses. É claro, já vimos esse filme antes. Demorou um pouco para que os americanos lidassem com a questão, mas a possibilidade de ter muitos Toyotas – carros bons fabricados a bons preços nos EUA – acabou beneficiando grandemente os EUA. Espero que isso aconteça também com os investimentos chineses; talvez não amanhã, mas se pensarmos no que pode acontecer daqui a 10 anos, essa poderá se tornar uma nova realidade importante para nossa economia.

E qual o futuro do Nafta?
Seria muito difícil desfazer o Nafta, e igualmente tolo fazê-lo. Há um modelo de gravidade do comércio na economia internacional que explica de que modo funciona o comércio bilateral com base no tamanho da economia dos parceiros comerciais e a distância entre eles. Faz mais sentido ter um volume de comércio maior com países mais próximos de você. O fato de que os EUA compartilham uma extensa fronteira com o Canadá e com o México faz com que o comércio entre esses três países seja algo absolutamente natural. Apesar da retórica contrária ao Nafta na campanha, o acordo comercial provavelmente persistirá.

Muitos comentaristas falam de uma taxa de crescimento do PIB de 4% durante o governo Trump. O senhor crê nessa hipótese?
Não acredito que esse percentual seja sustentável. No passado, o crescimento do PIB nos EUA depois da Segunda Guerra Mundial ficou entre 3.25% e 3,5%. Se os EUA pudessem voltar a esse índice, isso teria um enorme efeito positivo, não apenas economicamente, mas também politicamente para o país. Eu não contaria com um crescimento sustentável de 4% do PIB: pode-se reforçar esse valor com algum tipo de estímulo de curto prazo. O crescimento econômico é a galinha dos ovos de ouro desejada pelos mercados que saúdam a vitória de Trump. Eles o saudaram por dois motivos. Um deles é a perspectiva de cortes de impostos para as empresas, e o outro é sua promessa de investir em melhorias de infraestrutura. Essas duas coisas estimulam a economia a curto prazo. Contudo, a questão crucial é de longo prazo: será possível manter a taxa de crescimento acima de 3%?

Será possível?
Essa indagação coloca no centro da discussão os grandes impulsionadores do crescimento que, nos últimos 20 anos, são a tecnologia e a globalização. O desafio que acompanha ambos se deve a seu efeito restritivo – e não de ampliação – em se tratando da distribuição de renda. Se os impulsionadores do crescimento também restringem os benefícios, isso coloca um grande desafio político e social, que é também um desafio econômico. 

O que Trump pode fazer para garantir que todos sejam beneficiados com a globalização?
Em primeiro lugar, é importante aproveitar a visibilidade do cargo. A coisa mais importante a ser dita é que todos nos EUA se beneficiam, sim, da globalização. Nós nos beneficiamos porque as coisas que consumimos diariamente são muito mais baratas. ‘Made in USA’ é um belo slogan, mas se comprássemos, produzíssemos e vendêssemos tudo neste país, os preços das coisas que compramos seriam muito mais elevados. As semelhanças entre os dois impulsionadores do crescimento, a mudança tecnológica e a globalização, constituem um dos maiores desafios que Trump tem pela frente. Uma semelhança é que ambos reduziram a demanda da mão de obra menos preparada. Vimos isso nos estados que formam o Cinturão da Ferrugem [ou da manufatura], que oscilaram em direção a Trump. Portanto, agora, o presidente eleito não pode ignorar o assunto.

O que ajudou Trump a ganhar?
Quando se analisa a vitória dele, vemos que a história por trás dela é muito mais econômica do que social. A tentação de priorizar a singularidade de Donald Trump é evidente. Mas o que ele estava fazendo de fato era surfar na grande onda estrutural de mudanças nos EUA. Essa “onda estrutural” girava em torno da desigualdade e da estagnação da renda, e a personalidade ímpar de Trump deve ter catalisado esse sentimento. Pense na desigualdade, por exemplo: temos a tendência de associá-la à crise financeira que se seguiu à crise de 2008, mas a desigualdade nos EUA começou a se acentuar drasticamente no final dos anos 1980 e cresceu muito no governo de Bill Clinton nos anos 1990. De igual modo, os americanos tiveram de lidar com a estagnação da renda nos últimos 15 anos aproximadamente. Agora, para levar adiante o que disse durante a campanha, Trump terá de passar do palanque dos comícios para o governo real. Isso também cria a agenda a ser seguida por ele: aumentar o crescimento, mas de um modo que inclua mais gente nele.

Será que podemos esperar alguma ação política em relação a essas questões nos primeiros 100 dias de governo Trump?
Os primeiros 100 dias são mais simbólicos do que qualquer outra coisa. Eu esperaria uma série de coisas simbólicas que deverão dar o direcionamento do que vem por aí. As realidades do governo tendem a levar muito mais tempo do que isso. O teatro político de alto nível é sempre parte fundamental do jogo. E Trump tem se mostrado incrivelmente apto para isso. Além de ações simbólicas, prevejo que Trump enviará também alguns sinais internacionais muito significativos em seus primeiros 100 dias. Entre eles, declarações de que os EUA vão endurecer com o terrorismo e que desaprovam o acordo nuclear que o governo Obama fez com o Irã. Creio ainda que o novo governo repudiará o atual acordo de Parceria Transpacífico (TPP), mas espera também que haja sinais de uma nova estratégia para o acordo.

*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e pela Universia, rede de universidades que tem o apoio do Banco Santander.  

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Domingo, 15 Dezembro 2024

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