O Hezbollah não é o Líbano

Todo mundo ama esse país
O Hezbollah está para o Líbano como um tumor maligno está para o organismo

O Líbano é um dos países mais queridos do mundo. Está para o Oriente Médio como a Tailândia está para o Sudeste Asiático; o Brasil para a América do Sul; a Dinamarca para a Europa; o Canadá para a América do Norte ou a Nova Zelândia para a Oceania. Mesmo quem não o conheceu nos tempos áureos, louva o estilo de vida desses eternos "bon vivants" – musicais, hospitaleiros e donos de uma culinária incomparável.

Além das belezas naturais, o Líbano se notabiliza por ser um mosaico de civilizações. Lar de cristãos ortodoxos e romanos; muçulmanos sunitas e xiitas; armênios e drusos, já no final dos anos 1970 o caldo começou a entornar por conta dos interesses das praças financeiras europeias em gerir os cobiçados petrodólares. Beirute precisava ser desestabilizada. O Líbano foi infiltrado por aproveitadores e, em especial, por um vírus oportunista de matriz xiita.

Isso porque, nos anos 1980, a fragilidade política atraiu os milicianos do Hezbollah para o Sul. O que isso representou? A chegada de religiosos de matriz iraniana à fronteira com Israel. Tomar de assalto zonas sensíveis é o sonho dourado de qualquer milícia. Respeitadas as proporções, foi o equivalente à instalação de mísseis soviéticos em Cuba, nos anos 1960, o que quase levou o mundo à Terceira Guerra Mundial. Os russos recuaram.

O que fez o Hezbollah? Enquanto se preparava para uma guerra que teve a veleidade de achar que só o terror poderia desencadear – como o Hamas –, eles desfiguraram a vida libanesa. O Islã de matriz retrógrada não quer saber de pluralismo democrático, muito menos de cosmopolitismo, um traço identitário inconfundível do país hospedeiro. Pelo contrário. Há décadas vinha estocando munição em casas de civis contra benefícios pecuniários.

Da mesma forma que milícias cariocas cobram impostos, mordem seu quinhão nas tarifas públicas, impõem a lei de silêncio e julgam as comunidades de acordo com o nefando tribunal do crime, o Hezbollah faz a mesma coisa a poucos quilômetros de Haifa – para nos atermos a uma referência mais conhecida. Mas eu poderia citar lugares que conheço bem como Metula, Kiryat Shmona, Ayelet HaShahar, Safed – que viraram uma zona de exclusão.

Nesse estágio da guerra em Israel – abstraindo-nos de Gaza e do 7 de outubro, tanto quanto possível –, a prioridade passou a ser o Norte, onde populações inteiras na faixa de fronteira saíram de casa há meses. Há perdas a lamentar? É evidente. E, no entanto, não há de se deplorar um golpe vigoroso no Hezbollah. Ninguém quer ver danos ao Líbano, embora eles sejam inevitáveis. O terror acha que só ele tudo pode. Pois que conheça o medo e a desmoralização.

Os pagers e walkie-talkies incandescentes deram uma pista sugestiva do que vinha. O Líbano não teve a opção de hospedar ou não seus delinquentes. O Brasil nem sempre tem a opção de albergar milícias que dominam setores inteiros de áreas urbanas e da selva. Oxalá pudéssemos desalojá-las como fizeram os americanos ao ajudar os colombianos a extirpar o câncer do narcotráfico, quando já achávamos que a Colômbia estava desenganada.

Um movimento insurgente cujo método é o terror não pode ser encarado com pruridos intelectuais. Daí a curetagem. Não verei no meu tempo de vida o cenário com que sonhei quando morei na região em 1976: o livre trânsito de pessoas e mercadorias entre o Golã e o Mediterrâneo fenício. Sonhei com o mesmo cenário das muitas vezes que estive na Síria, na Jordânia e no próprio Líbano.

Mas, admitindo que isso possa soar absurdo e não cínico, acho que os acontecimentos da última semana nos colocam um pouco mais próximos da rota de um convívio futuro e da paz. Tenho certeza de que muitos libaneses estão agradecidos, por mais que seja difícil admitir isso abertamente. Para ser querido pelos bons, às vezes os maus têm de temer uma força que se imponha sobre eles. Que corações e mentes possam convergir.

Todo mundo ama o Líbano. Mas o Hezbollah está para o Líbano como um tumor maligno está para o organismo. Há de se extirpá-lo. De preferência, poupando a vida do paciente. O que não dá é fingir que nada aconteceu ou ficar sentado à espera das sirenes. Que não se peça isso a Israel, um país que se corporificou no bojo da maior tragédia do século passado. Há um século, os judeus achavam que Deus os salvaria de tudo.

Quem diria que hoje deve a esperança ao Domo de Ferro?

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Terça, 24 Setembro 2024

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