Mulher feia

Se meu irmão ou eu cometêssemos o despautério de dizer à mesa que fulana ou sicrana eram feias, uma comoção se instaurava. "O que foi que você disse?", perguntava papai. Então a gente insistia no ponto para evitar a desmoralização, mas a versão era s...
Mulher feia

Se meu irmão ou eu cometêssemos o despautério de dizer à mesa que fulana ou sicrana eram feias, uma comoção se instaurava. "O que foi que você disse?", perguntava papai. Então a gente insistia no ponto para evitar a desmoralização, mas a versão era suavizada. "É que ela tem uns dentões de coelho". Ou então, "é porque ela é zarolha". Ou o que fosse. E ai de mamãe se nos desse razão. "Você não se intrometa em conversa de homem. Pois saibam vocês que não existe mulher feia. Se existisse, a mais pavorosa delas ainda seria mais bonita do que qualquer homem, entenderam?" Então ríamos do radicalismo, mas a mensagem era clara. Achar as meninas feias acendia no painel de papai todos os alarmes do mundo. Temia que fôssemos gays, acho eu. Mesmo porque já havia um precedente conhecido na família dele, de quem evitava-se falar. 

Um dia eu trouxe da casa de tia Miriam uma antologia de Vinícius de Moraes – figura que ele admirava por ser diplomata, gostar de uísque e ter tido muitas mulheres na vida –, e lá estava: "As muito feias que me perdoem. Mas beleza é fundamental." Ele não se deu por vencido. "Meu filho, existe uma coisa chamada licença poética. Ele é um artista acima do bem e do mal. Na boca dele, essas coisas ficam engraçadas. Na nossa, seria uma ofensa." Certo ou errado, cresci sem a enzima da censura vis-à-vis as mulheres. Tive o olhar treinado para discernir beleza em todas elas. O juízo implacável ficava para os homens que, na minha compreensão, resistiam mais e não se abalavam com a avaliação rude. Em suma, não há lar que seja espaço pedagógico perfeito, mas crescemos com nossas idiossincrasias e elas nos acompanham vida afora. 

Falo disso, é claro, por conta de Madame Macron, que não passou sequer no teste do padrão Leblon de Paulo Guedes, local em que charme sempre contou mais do que beleza cinematográfica. Eu a acho sexy. Brigitte Trogneux (foto), de solteira; Auzière do primeiro casamento, a vi radiante com as amigas em Truchtersheim, Alsácia, onde morou. Professora de literatura, latinista, é cinco anos mais velha do que eu. Valente, assumiu um amor fora dos padrões com um colega de escola da filha. Veste-se com ousadia, distribui sorrisos, opina nos discursos do marido, indica bons nomes para o governo e a idade lhe dará carnes onde a pele cola ao osso. No geral, não há seios, nádegas e rosto que livrem a mulher inculta e despreparada. Sensualidade e inteligência são pontos de partida e chegada. Papai, que sempre gosto de evocar nessas horas, certamente diria. "Já pensou a inteligência dela no corpo de Melania Trump?"     

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Quinta, 25 Abril 2024

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