Etiquetas que colam
De Paris (França)
Hoje em dia, o mundo está configurado de forma tal que ao falarmos de uma única coisa, podemos estar falando do que se chamava antigamente de um "todo entrelaçante". Isso porque os fatos estão a tal ponto interconectados, e as manifestações a eles ligadas, que fica difícil saber onde começa um e termina o outro, para não falar das fronteiras tênues da realidade e da ficção, da dor real e do oportunismo. A transmissão de cenas e a espetacularização de fatos hediondos desencadeiam o impensável
Nos Estados Unidos, no bojo de uma cena de imensa brutalidade, um guarda matou um rapaz negro depois de pressioná-lo por minutos a fio com o joelho. Floyd, a vítima, terminou morrendo, o que acendeu um rastilho de pólvora em vários estados americanos. Na esteira da solidariedade, vários países se juntaram, e hoje a França proibiu que policiais apliquem "gravata" nos abordados. Ondas de solidariedade demonizam a polícia em toda a Europa e as corregedorias se preparam para tempos de trabalho.
Enquanto isso acontecia, uma criança caiu do alto de um prédio no Recife, na sequência de uma série de atos arbitrários e irresponsáveis de adultos. Como consequência da tragédia, os protestos se voltaram contra uma mulher, aqui chamada de a "patroa", que teria sido prepotente e feito pouco caso da vida de um menino negro, filho de uma empregada doméstica. O que aconteceu? Entrelaçaram a comoção americana com a catástrofe nordestina – acontecida no endereço mais antipático da cidade.
Junte-se agora a tudo isso as posições obtusas de governantes dos Estados Unidos e do Brasil, e sua monumental força de arrasto, e temos multidões conflagradas a despejar palavras de ordem contra o tal "todo entrelaçante". Nesse rescaldo, Pernambuco fica sendo visto como o estado onde a Casa Grande ainda pinta e borda com a Senzala. O direitismo obtuso de Brasília se junta à estultice de Trump e, de repente, a gente ouve uma cacofonia sem fim nem critério, a bradar contra o que não conhecem, mas que sentem.
Que há uma imensa vaga de oportunismo, não há dúvida. Mas é assim que caminha a humanidade. Que avancemos. Mas sabendo que essas horas são aquelas em que a verdade dos fatos conta menos do que o efeito medular que provocam certas cenas nas multidões digitais. Querer equilíbrio, justiça e senso de proporções, é pedir demais em tempos de sociedade do espetáculo. O que mais me dói nisso é ver nessas horas meu estado natal ser julgado em função de uma situação isolada.
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