Os 30 anos do Plano Real
1 - Há 48 anos, nós nos conhecemos em Cambridge, Inglaterra. Eu era um jovem estudante cheio de energia. FHC era professor convidado na cátedra Simón Bolívar de Estudos Latinos. Nos longos jantares em casa a que eu era gentilmente convidado, o Brasil era nossa obsessão. Com dona Ruth, Bia e Luciana, ouvíamos "O que será que será?" na voz de Milton Nascimento. Era a trilha sonora de uma época. Tínhamos a redemocratização à vista.
2 - Quando voltei para o Brasil, depois de longa ausência, disse a papai que tinha ficado amigo do futuro Presidente da República. Ele duvidou. "O que ele faz? Sociólogo? Hum, sei não. O Brasil precisa de engenheiros." Minha profecia não estava errada. FHC foi para o Brasil dos anos 1990 o que JK foi nos anos 1950. Trouxe charme para o cenário político e um toque cosmopolita a um país marcadamente provinciano.
3 - A grande arrancada começou com o Plano Real, que completou 30 anos no dia 27 de fevereiro. À base de 2.000% de inflação ao ano, vivíamos travados numa arapuca de feição argentina em que a retórica enfurecida não conseguia equilibrar a economia. FHC criou as condições políticas para que isso acontecesse. Cercado das melhores cabeças, tirou o Brasil do pântano, restaurou a confiança e desfraldou nossa bandeira pelo mundo.
4 - Na foto, estamos em Tel Aviv, na saída do Hotel Dan, depois de um jantar dedicado aos velhos e aos novos tempos. Rimos de algumas recorrências comuns à pessoa dele. É chique, muito chique, lhe desmerecer toda a biografia por conta do segundo mandato. Puristas que apoiam os sequazes mais sangrentos, ficam indignados com a reeleição dele. Outra coisa que dá classe a quem o diz é enfatizar que dona Ruth era a luz do casal.
5 - Quanta bobagem! Eu sei que é bonitinho dizer que Obama sem Michele seria roupeiro do Chicago Bulls e que Macron sem Brigitte seria um assistente de protético numa clínica de Reims. Francamente. Quem tinha todo preparo do mundo para desempenhar as funções era FHC, tivesse ele casado com dona Ruth ou com Dercy Gonçalves. Ainda somos um país retrógrado, acanhado, ilhado. Mas, desde então, ganhamos uma imagem de marca global.
6 - Nona economia do mundo, nosso "soft power" ainda fica muito a dever. A economia verde e a pujança do nosso agronegócio - cuja força vi nascer de perto, nas longas conversas do meu primeiro sogro com Delfim Netto em torno da Embrapa; nos embates sem fim com Pastore, Serra e Viacava - nos projetarão para muito além de nossa irrelevância geopolítica. Essa ambição teve no Plano Real seu ponto seminal.
7 - Vergastado pelo sectarismo político que fez com que bancadas políticas inteiras votassem contra, FHC triunfou e uniu o Brasil, numa época em que isso era mais fácil. Depois de dois mandatos, passou a faixa presidencial para o sucessor com humor e civilidade e daí se iniciou um ciclo virtuoso, que se revelou forte o bastante para sobreviver ao amadorismo de uma desorientada e à desídia criminosa de um néscio do mal cuja piromania só era menor do que a preguiça.
8 - Da boa herança que nos lega, FHC - Senador, Chanceler, Ministro da Fazenda e Presidente -, o Plano Real foi a mais perene. Sempre que passo na Rua Rio de Janeiro, em Higienópolis, penso nele. Dá uma vontade enorme de subir! Que reflexões podem embalá-lo nesse estágio da vida, depois de perder tantos amigos próximos no Brasil e no mundo? Dos filhos do Brasil da primeira metade do século passado, ele foi o nosso maior expoente político.
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