Sincericídio S/A?
Se você acha que Donald Trump não está nem aí para o que pensam dele, talvez devesse conhecer Marcos de Quinto (foto), o vice-presidente mundial de marketing da Coca-Cola. Espanhol, ele tem se notabilizado por algumas declarações que passam longe do politicamente correto, independentemente do assunto.
Um exemplo. Diante do pedido de uma organização conservadora para que suspendesse o patrocínio a um reality show considerado ofensivo às mulheres, ele disparou no Twitter uma mensagem dirigindo-se à entidade:
“Se tenho de pensar como você para que você beba Coca-Cola, prefiro que você não tome mais. É sério”.
E continuou, ao defender os investimentos publicitários da companhia que dirige:
“Tem gente que faz chantagem com marcas para impor seus critérios, mas nós colocamos anúncios em todos os canais e programas. Estou onde as pessoas estão, desde que estejam de acordo com a lei. Se alguém se incomoda com um programa, que desligue a TV”.
Segundo a mesma matéria da qual tirei as declarações acima (completa aqui), Quinto também gosta de dar palpites sobre o cenário político espanhol, justificando que “executivos são pessoas normais (...) podem ter preferências e isso tem de ser aceitável”.
Não escapa de sua língua afiada nem os tradicionais mantras marqueteiros, como o de ser necessário escutar o consumidor (“ele [consumidor] fala o que considera politicamente correto e não o que realmente quer”, diz em um recente publieditorial veiculado em Veja), ou o famoso slogan “Abra a felicidade”, adotado pela Coca-Cola até pouco tempo atrás: “A marca (...) estava se esquecendo de falar do produto. [Com isso] Poderíamos gerar (...) o consumo virtual, quando as pessoas amam a marca, mas não compram o produto”.
Logo que li as declarações do executivo, lembrei-me de uma tendência identificada em 2013 pelo escritório sul-americano da Trendwatching. Chamada de “Cojones Inc.” (algo como “Colhões S/A”, em português), ela descrevia empresas que, na sua comunicação, distanciavam-se da neutralidade e optavam por tomar posições potencialmente polêmicas – caso de um cartão de crédito argentino que incentivava os consumidores a gastar em supérfluos ou uma fornecedora de material esportivo que apoiava abertamente um de seus times, em detrimento dos outros.
Marcos de Quinto seria, então, um executivo corajoso, devido às posições que toma? Eu diria que a palavra “temerário” descreve melhor seu estilo.
Primeiro, temerário para a marca. Empresas globais hiperconhecidas, como a Coca-Cola, são quase estados nacionais. Estão presentes em todos os cantos do mundo e, por isso, sujeitas à vigilância de diversos grupos de interesse. Como esses grupos têm se multiplicado nas últimas décadas e ganho mais repercussão graças à internet, ser agressivo na resposta a seus questionamentos não parece uma boa alternativa. A diplomacia é o melhor caminho.
Segundo, temerário para o próprio futuro do executivo na cadeira que ocupa. Opiniões que extrapolam o cercado corporativo devem ser emitidas com muito cuidado por representantes de companhias populares como a Coca. Pessoa física e corporativa são indissociáveis, e quem já perdeu o emprego por um tuíte sabe bem do que se trata (relembre alguns casos aqui e aqui). Certamente a Coca-Cola não irá se mobilizar para defender o direito de livre expressão do cidadão Marcos de Quinto caso uma polêmica gerado por seu VP se alastre e comece a atingir gratuitamente a marca; vai livrar-se dele, simplesmente.
Por tudo isso, seria bom que o executivo moderasse as palavras – de “Cojones Inc.” a “Sincericida S/A” basta uma frase infeliz.
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