Freios, airbags e propaganda
Dê uma olhada na foto acima. Ela mostra uma professora lendo histórias para crianças de diversas nacionalidades. Fofo, não? Nem parece um anúncio da Benetton, novamente sob comando do fotógrafo Oliviero Toscani, aquele das imagens provocativas dos anos 1980 e 1990 (relembre-as aqui). O bom filho à casa torna para tentar conferir-lhe um pouco mais de personalidade depois de um longo hiato no qual a Benetton perdeu relevância como marca e como business. A questão que fica é se a abordagem proposta por Toscani, a dos bons sentimentos, é a mais adequada para os tempos em que vivemos.
Sim, porque o viço das campanhas do passado advinham do cutucão que as fotos de Toscani provocavam em uma sociedade envolta em tabus e conflitos, tais como sexualidade, religião, racismo, pena de morte, Aids e Guerra do Golfo. Embora sempre sob um viés supostamente positivo – o da igualdade de raças, o dos direitos humanos e o da sexualidade livre, por exemplo –, a Benetton se destacava por destoar do discurso pasteurizado da publicidade tradicional e sugerir que anúncios poderiam, sim, funcionar como ferramentas políticas, ainda que limitadas.
A nova campanha é bem mais comodista. Embora siga sem mostrar os produtos da companhia, opta por sentimentos universais positivos e a omissão de conflitos. Nada muito diferente da propaganda convencional que se vê por aí.
Arrisco uma explicação. Lá nos anos 1980 e 1990, o debate público era pautado quase que exclusivamente pela mídia tradicional, e contava com a participação de especialistas selecionados pelos meios de comunicação. A voz das pessoas comuns ficava restrita aos ambientes profissionais, familiares e sociais. Hoje, ao contrário, a opinião de qualquer um circula pelas redes sociais, de maneira bem mais democrática – provocando, contudo, uma cansativa cacofonia. O resultado é que a tomada de posição parece ser a regra atualmente, e não a exceção, o que torna sua apropriação pela publicidade menos atrativa do ponto de vista mercadológico.
Além disso, o ambiente digital revelou quão exacerbadas podem ser as opiniões sobre temas candentes. Escolher um lado pode significar expor-se a uma refrega no mundo virtual, especialmente desnecessária quando o que se quer é tão somente vender roupas.
E, claro, há um fator de natureza pessoal, porém não menos importante: Toscani soma hoje 76 anos, e é provável que se encontre numa quadra da vida semelhante à que Humberto Gessinger refere em uma das músicas dos Engenheiros do Hawaii: “cansei de alimentar os motores / agora quero freios e airbags”. A nova campanha da Benetton reflete esse momento.
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