É refresco?
Toda linguagem especializada é um complô contra a laicidade, já disse alguém, mas neste, especificamente, os marqueteiros se puxaram: foco no cliente e foco do cliente. A diferença entre os artigos pode parecer mero capricho aos não iniciados, mas saber manejá-los é fonte de orgulho para alguns CEOs, que fazem questão de enquadrar sua empresa como adepta do segundo, e não do primeiro. Por quê? A expressão foco no cliente descreve uma empresa preocupada com seu consumidor. Quando Steve Jobs orientava seus engenheiros a tornarem a utilização dos equipamentos eletrônicos o mais fácil possível, estava pensando no sujeito comum, nada versado em informática, diante de um computador, tocador de MP3 ou celular – e concebia gadgets voltados ao que imaginava ser suas necessidades, habilidades e interesses. Focado no cliente, portanto.
Porém, o mesmo Jobs sabia que, em tecnologia, as possibilidades de exploração e avanços escapam à compreensão do usuário final, cabendo apenas a especialistas. Repelia, por consequência, o foco do cliente, ou seja, a adoção da perspectiva do consumidor na criação de novidades radicais, simbolizada pela famosa frase: "como perguntar às pessoas se elas queriam um sistema gráfico interativo se elas nem sabiam o que era isso?". Assumir o foco do cliente pressupõe incorporá-lo em algum momento à concepção, ao desenvolvimento ou ao teste de um produto, quase como um cocriador, coisa que o fundador da Apple abominava.
É com essa intenção, a de obter o foco do cliente, que empresas por vezes criam espaços para uso de seus produtos, como foi o caso recente da Bombril e, mais antigo, da Hypermarcas (hoje, Hyper Pharma). Ou quando simplesmente convocam usuários a participar do aprimoramento de um item do portfólio, como neste lançamento da Mercur. A intenção é captar insights a partir do consumidor, e não apenas presumir suas carências e desejos (nem somente assumi-los como default baseado em critérios consagrados, como facilidade de utilização, preço acessível ou estética apurada, a que todos os produtos almejam).
Como se pode depreender, tanto o foco no quanto o do cliente costumam ser questão de gradação, e não binárias, do tipo "tem ou não tem". É possível transitar de um extremo ao outro de um continuum, conforme a orientação estratégica da companhia, sua cultura organizacional ou a disponibilidade de tempo e de recursos. No ou do, não importa; quando praticados separadamente sempre são sinais de boa saúde empresarial. O problema é quando os dois artigos se juntam marotamente para dar origem àquelas empresas com foco no do cliente. Destas, estamos cheios por aí.
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