Sobre pontes e pinguelas
Mudanças organizacionais não são nem um pouco fáceis de empreender, menos ainda quando profundas. Que dirá mudanças que afetam uma cidade inteira.
Este é o tamanho do desafio que o prefeito de Porto Alegre, Nelson Marchezan Jr., dispôs-se a enfrentar. Não escondeu tal intenção durante a campanha eleitoral, ano passado, nem ao longo destes primeiros dez meses de mandato. O que merece discussão é o método pelo qual o alcaide da capital gaúcha (na foto, o Mercado Público, um dos ícones da cidade) tem se valido para alcançar aquilo a que se propõe.
Segundo nota publicada na Zero Hora na última quinta-feira, 2 (aqui, para assinantes), Marchezan Jr. tem encomendado a seus secretários diagnósticos amplos da situação de cada pasta, para, a partir deles, definir seu plano de ação. Com isso, por mais de uma vez optou por abortar iniciativas de curto prazo, o que desagradou parte de sua equipe, levando a baixas no secretariado.
O prefeito tem razão?
Em parte. Bons gestores, inclusive os públicos, destacam-se por uma ideia de direção, de caminho a seguir, articulada através de diferentes medidas. Estas podem ser julgadas por sua coerência com o norte estabelecido e a capacidade de se reforçarem mutuamente, contribuindo para a concretização de um objetivo. A perspectiva de longo prazo, claro, faz parte dessa lógica. Salvo em casos de turnaround, em que todas as decisões são “para ontem”, cabe ao CEO pensar o futuro da organização.
Considerando que políticas públicas duradouras, capazes de ultrapassar o horizonte dos quatros anos de mandato, são uma carência histórica da administração pública brasileira, a preocupação de Marchezan Jr. em primeiro analisar de maneira abrangente o cenário, para só então desenhar soluções consistentes e apropriadas, é digna de aplauso.
Porém, mudanças organizacionais são um pouco diferentes – e especialmente diferentes quando envolvem uma municipalidade inteira. Transformações envolvem presente e futuro simultaneamente. E pode-se dizer que o primeiro ajuda a pavimentar o caminho para o segundo.
Explico.
Para demonstrar comprometimento com a mudança, motivar a equipe e reduzir o risco de sabotagens e retrocessos, medidas mais simples e fáceis de colocar em prática podem ser implementadas imediatamente. Mesmo que não sejam lá as mais relevantes, sua realização ajuda a exibir interna e externamente a placa de “estamos em obras” e, assim, ganhar apoio para o que vem a seguir – as alterações mais profundas e complicadas de concretizar.
Numa democracia, essa sinalização é especialmente importante porque a opinião pública não costuma oferecer trégua a um governante. Mal assumiu, um prefeito, governador ou presidente passa a ser refém de suas promessas de campanha e da impaciência de seus eleitores e opositores.
Ao que sugere a nota de ZH, Marchezan Jr. entendeu perfeitamente a necessidade de construir uma bem estruturada ponte para o futuro de Porto Alegre, mas esqueceu-se de permitir que seus secretários improvisem pequenas pinguelas para o dia a dia da capital. O resultado, pelo visto, desapontou alguns integrantes de sua equipe e privou a cidade de iniciativas que, se não eram as ideais e/ou sequer teriam continuidade, ao menos poderiam gerar algum benefício imediato – bem como atenuar críticas e narizes torcidos. A ideia de movimento é importante para uma administração pública, principalmente em início de mandato. As coisas precisam parecer que estão acontecendo, saindo dos gabinetes e ganhando vida nas ruas sob a forma de fatos concretos.
Se o prefeito porto-alegrense se der conta disso, provavelmente terá uma trajetória menos acidentada até chegar o momento de colocar em prática as grandes mudanças que a capital – e em especial seus eleitores, como eu – esperam e merecem.
Veja mais notícias sobre Gestão.
Comentários: