Profissionalização com um toque familiar
Os Logemann sentiram o chão tremer em 1987. A morte do chefe do clã, Jorge, foi um baque para a família e, principalmente, para as perspectivas de uma empresa que tinha em seu retrospecto o pioneirismo de haver fabricado a primeira colheitadeira 100% brasileira, a SLC modelo 1966. Coube a Eduardo Logemann, o primogênito, a repentina missão de assumir as rédeas, com o firme apoio de Jorge Logemann, o número 2 dos cinco filhos de Jorge e Zaira. E o que se seguiu desde então foi uma peripécia familiar e empresarial que Eduardo conta nesta entrevista a AMANHÃ, depois de o Grupo SLC completar 75 anos na posição de um dos gigantes da agricultura mundial, com protagonismo na produção brasileira de soja, algodão e milho. Viajante contumaz, com fascínio por pegar moto e fazer trilha de jipe, ele explica a seguir como o seu ímpeto casa bem com a temperança do irmão, narra a costura de um pacto familiar que alia princípios a profissionalismo e sustenta o ponto de vista de que as críticas internacionais a violações do meio ambiente e, particularmente, da Amazônia, são infundadas e encobrem interesses comerciais de países que não conseguem competir com a produção agrícola brasileira. "Nosso país", diz ele, "se tornou o celeiro do mundo – e também uma ameaça".
Entre tantas transformações que houve na companhia, qual é a marca destes 75 anos?
Uma coisa muito importante é que somos uma empresa familiar desde o início, em 1945, quando meu avô, Frederico Jorge Logemann, começou o negócio, lá na barranca do Rio Uruguai, em sociedade com Balduíno Schneider. Logo depois, em 1949, com a morte do meu avô, o meu pai, Jorge Logemann, continuou a empresa. E tudo começou com um pequeno moinho de trigo, uma oficina para reformar as primeiras máquinas agrícolas que estavam surgindo e também uma serraria, porque aquela região do Rio Grande do Sul era tudo uma grande floresta, praticamente. Foi onde começou a soja no Brasil, assim como foi onde começou o milho, o trigo... Então, nós fomos aquele começo... Até que entramos no negócio de máquinas agrícolas, bem no início dos anos 1960.
Como foi esta passagem?
Primeiro, fizemos trilhadeiras. E em 1965 o meu pai, Jorge Logemann, fez a primeira colheitadeira no Brasil. Para se ter uma ideia, o mercado naquela época era de 13 colheitadeiras. Uma delas feita no Brasil – a nossa. E 12 importadas. E a partir dali nós fomos para um longo ciclo que foi muito importante para a transformação da companhia, para criar musculatura, desenvolver tecnologia, gestão... Desde aquele momento até 1999, quando vendemos a fábrica para a John Deere, foram 40 anos como fabricantes de máquinas agrícolas. E depois disso, então, entramos em um novo ciclo de uma empresa familiar que soube, ao longo dos anos se transformar, ser resiliente. Por sinal, resiliência é um termo que a gente utiliza muito, aqui.
Em que estágio a companhia está do ponto de vista de participação da família?
Como eu disse, meu avô foi a primeira geração, a G1, como nós brincamos de dizer aqui. Meu pai, que assim como minha mãe era filho único, assumiu em 1949, dando início à segunda geração. Estamos hoje na G3, a terceira geração. Somos cinco irmãos: eu e o Jorge Luiz, que participamos da gestão, e ainda o Marcelo, a Elizabeth e a Ana Beatriz, que não atuam diretamente na empresa. Na realidade, já temos a quarta e até a quinta geração, formada pelos meus netos e pelos netos dos meus irmãos, mas a gestão ainda está com a G3. Nós temos muito orgulho de ser uma empresa com esta forte presença da família. Gostamos de participar, do toque Logemann nos negócios. Mas a forma como se dá esta participação dos representantes da família é pela via do Conselho de Administração. Ou seja, a família não participa diretamente da gestão executiva dos negócios. Hoje, a gestão executiva de nossas empresas é 100% profissionalizada. A empresa não é, nunca foi, cabide de emprego. Absolutamente. A lógica é entrar na empresa pela competência. Ou pela necessidade, como foi meu caso.
Por necessidade? Como assim?
Eu confesso que, quando meu pai morreu, eu não estava preparado para assumir a presidência do grupo. Eu já trabalhava na empresa, na área financeira, mas não era um administrador, e sim um engenheiro mecânico. Tive de me tornar um administrador e um financista por necessidade quando eu fui guindado à presidência do grupo, em 1987, com 37 anos de idade. E o meu irmão, o Jorge Luiz, nem atuava na empresa. Era um médico, um otorrino pediátrico com formação na Alemanha, professor da PUC em Porto Alegre... Largou tudo, deixou uma carreira médica consolidada para vir trabalhar comigo em Horizontina. Ele não conhecia a empresa, mas com a morte do pai ele se apresentou naquele momento de necessidade e foi assumindo áreas muito importantes, como a de planejamento, de recursos humanos.
E como funcionou a dobradinha de vocês? Afinal, em síntese vocês eram dois jovens assumindo inesperadamente a liderança da empresa fundada pelo avô...
Funcionou e funciona muito bem. A palavra é esta mesma – a gente faz uma dobradinha. Ele tem um lado humano muito forte que é importantíssimo nos momentos de crise, em que temos de tomar decisões mais difíceis. Às vezes eu sou mais ousado, quero avançar mais rápido, e o Jorge, embora pragmático, faz um contraponto sugerindo que a gente vá um pouco mais devagar. Esse diálogo é fundamental, porque o poder é algo muito solitário. Eu acredito em líder. Eu acredito que na hora H tu, como líder, tens de ter a palavra final e assumir a responsabilidade pelas tuas decisões. Mas não acredito em one man show... Tu tens de saber liderar a equipe. Quem faz a música é a orquestra, não o maestro. Eu acho que essa sinfonia dos irmãos, eu e o Jorge Luiz dentro da empresa, mas também o apoio do Marcelo, da Beth e da Aninha, tudo isso proporciona um ambiente de confiança irrestrita entre nós. É uma confiança cega. Mas isso não quer dizer que não prestamos contas. Todo mês nós temos reunião do conselho de família, e ali nós prestamos contas, analisamos resultados das empresas.
"Confesso que, quando meu pai morreu, eu não estava preparado para assumir a presidência da empresa. E o Jorge, meu irmão, nem trabalhava na empresa. Era médico em Porto Alegre. Largou tudo para ir comigo para Horizontina. Nossa dobradinha funcionou"
Você falou sobre escolhas difíceis. Como foi a tomada de decisão de sair do negócio que fez a prosperidade da empresa, a fabricação de máquinas agrícolas, no final dos anos 1990?
Foi um processo que começou bem antes, por volta de 1976. Nós estávamos em busca de mais tecnologia e mais qualidade de manufatura para nossas colheitadeiras e tratores – aquela preocupação que a gente tem de fazer as coisas bem feitas. Fazer de um modo mais simples, fazer bem feito e fazer uma vez só. Então, começamos uma negociação com a John Deere com a ideia de fazer uma associação com eles. Concluímos as conversas em 1979 e eles compraram 20% da companhia. Ali começava o segundo ciclo de nossa empresa, depois da fundação. E esta etapa, a das máquinas agrícolas, durou 20 anos. Em 1999, a gente decidiu dar uma guinada. E aí vendemos o controle do nosso principal negócio, a fábrica de colheitadeiras e tratores, para a John Deere.
A venda total para a John Deere foi um marco, mas antes disso os norte-americanos já tinham ampliado sua participação na SLC dos 20% iniciais para 40%. Vocês tinham claro o próximo passo, depois da venda?
Nós nos perguntamos o que é que nós íamos fazer. E a decisão foi a de fazer mais um pouco do que a gente sabe, ou seja, expandir o setor agrícola dos negócios. Nós já tínhamos fazendas naquela época e daí, então, fomos pesadamente para a agricultura. Começamos a adquirir terras, arrendar propriedades, fortalecemos muito a SLC agrícola, que hoje é o nosso carro-chefe. Ao mesmo tempo, resolvemos diversificar – porque essa era a moda na época. Compramos a Ferramentas Gerais, um negócio completamente diferente. Fundamos a SLC Alimentos, uma empresa de arroz e feijão, nada mais que isso. Compramos uma marca de arroz e de feijão, Namorado, e expandimos a SLC Alimentos para o Brasil inteiro. Tínhamos a terceira ou quarta marca de arroz e feijão do Brasil... Tudo isso nós fizemos entre 1999 e 2000. E continuamos a fazer, como eu disse antes, a expansão da SLC Agrícola. Poucos anos depois, em 2007, abrimos o capital da SLC Agrícola, e esse foi um grande alavancador do crescimento da empresa. Foi a primeira empresa agrícola do Brasil a abrir capital. No mundo, eu não sei, mas certamente foi uma das primeiras no seu segmento.
"Tu tens de saber liderar a equipe. Mas quem faz a música é a orquestra, não o maestro"
Algumas das empresas citadas foram vendidas nos últimos anos. Houve uma revisão de estratégias?
Não é fácil para uma empresa chegar aos 75 anos, e poucas empresas no Brasil e até no mundo conseguem se manter por tanto tempo. É preciso ter a capacidade de acompanhar a evolução dos tempos, de se adaptar, de se modernizar... Lá por 2017, nós olhamos para o agro e vimos que o Brasil iria se tornar, cada vez mais, uma potência agrícola mundial. Então nós resolvemos sair dos negócios que representavam diversificação. Vendemos a Ferramentas Gerais e a SLC Alimentos e centramos fogo profundamente no agro, fortalecendo ainda mais a SLC Agrícola. Verdade que a gente também fortaleceu uma outra empresa menor – uma revenda de máquinas agrícolas chamada SLC Comercial, agora SLC Máquinas. Curioso é que essa empresa era quase um passatempo... Era mantida para ser um elo com nosso passado de fabricação de máquinas agrícolas... Só que ela cresceu muito e hoje é uma das maiores revendas John Deere da América Latina. E continua crescendo, inclusive por aquisições de outras empresas menores. Mas nosso negócio principal no plano estratégico é a SLC Agrícola, que é hoje uma das maiores empresas de agro do mundo. Esse foco que a gente colocou no agro representa o terceiro ciclo na história do nosso grupo.
A mudança tem sido uma constante, mas é curioso que o eixo dos negócios sempre girou em torno do agro.
Eu diria que a SLC, ao longo destes 75 anos, foi uma empresa que soube aproveitar as oportunidades de mercado e também soube ser resiliente diante de "n" crises que nós atravessamos. Em alguns momentos passamos por dificuldades. A união da família, dos cinco irmãos, após a morte do meu pai, há 34 anos, tem sido fundamental. Todos somos sócios da nossa holding SLC, que é uma estrutura muito simples. Cada um de nós tem a sua holding familiar, com seus filhos e netos eventualmente. E todos participam da SLC Participações, que é dona de 100% da SLC Máquinas e de 53% da SLC Agrícola – o restante das ações está no free float da bolsa. Nós, os irmãos, sempre estivemos unidos nas políticas de crescimento, unidos em prol do negócio. E não nos acomodamos. Temos um conselho de família onde discutimos onde é que nós vamos investir. Estamos sempre olhando para o horizonte. Não queremos ser os maiores. Mas certamente em cada segmento da nossa atuação nós queremos ser os melhores.
Melhores em que aspecto?
Queremos usar de toda tecnologia na SLC Máquinas e especialmente na SLC Agrícola. Queremos continuar sendo líderes no setor, tanto em tecnologia como em produtividade, em gestão de pessoas. Hoje, temos quase 4.300 funcionários e todos eles vestem a camiseta. Eu lembro que ainda no tempo do meu pai nós instalamos o programa de participação nos resultados. Nem era obrigatório por lei, mas nós fazíamos isso lá nos anos 1980, assim como outras práticas de gestão de pessoas, cuidando da questão de planos de saúde do pessoal. O fundamental, eu digo sempre, é tu teres o funcionário do teu lado, e não o sindicato contra ti. Se o profissional tiver um problema queremos que ele procure a gente, não o sindicato. Nossa relação com os funcionários precisa ser muito transparente, muito profissional. Não tem nada de paternal. Não temos paternalismo, nem na família. O que vale é a competência.
A governança da família é um terreno mais desafiador que o da governança corporativa?
Acho que é pelo menos tão importante quanto. Porque na governança familiar sempre tem o fator emocional. Então tu tens de satisfazer os dois lados, o emocional e o empresarial, e convencer teus irmãos, eventualmente teus filhos, sobrinhos, de que o melhor negócio do mundo para se investir é o nosso negócio. Convencer de que o nosso negócio é o mais importante, é o mais rentável. Dizer "Ah, eu sou sócio só porque eu gosto do nome do SLC, porque é tradição do meu pai e do meu avô..." não é a visão correta, [e sim] "Eu sou sócio porque é um negócio eficiente, porque traz dividendos no final do ano, porque é melhor do que investir em qualquer empresa de capital aberto ou comprar papel de um banco, de uma gestora de capitais." Não quer dizer que a gente não deva diversificar investimentos pessoais, mas de participar com satisfação de um negócio que começou há 75 anos, que no início só tinha o meu avô, depois meu pai e minha mãe, depois cinco filhos que geraram 11 netos e 8 bisnetos. É pensar em satisfazer as necessidades econômicas e pensar também na sucessão.
Como vem sendo este processo?
Nós queremos que o nome da família Logemann seja lembrado nas próximas gerações dentro da companhia. Não necessariamente como executivos da empresa. Hoje nós temos cursos que todos estamos fazendo sobre como ser um bom sócio, como ser um bom conselheiro, como participar ativamente dos negócios sem ser um executivo. Como atuar no Conselho de Administração e nos órgãos formais da companhia. Como atuar no Conselho de Família. Toda a família segue um sistema de governança. Trabalhamos com vários consultores, principalmente com o John Davis, da Cambridge. Fazemos uma convenção anual da família para que todos conheçam e amem o próprio negócio. Isso não impede, claro, que vários dos meus sobrinhos tenham negócios próprios e queiram fazer crescer seus próprios empreendimentos. Sem problema: serão sócios do Grupo SLC e terão seu próprio negócio. E receberão dividendo da empresa, claro. Aliás, sou muito a favor do dividendo. Nós somos vistos no mercado acionário como uma empresa que é boa pagadora de dividendos. Nosso yeld, a relação de dividendo e lucro, é muito bom.
Olhando para o horizonte, como você disse, quais são as novas apostas da empresa?
A gente trabalha com planejamento estratégico. Isso há 50 anos. Eu diria que a SLC tem sempre muitas aspirações... Neste momento nós estamos investindo em inovação. Inovação que tenha correlação com os nossos negócios, claro. Estamos botando dinheiro, por exemplo, em uma empresa de clima, em uma empresa de conectividade, em uma empresa de sementes... Todos estes investimentos são voltados para o agro. Acreditamos que, no longo prazo, o agro continuará sendo o grande negócio do Brasil, e quem sabe, o grande negócio do mundo. É aquela história: depois que o chinês mordeu um churrasquinho ele não quer mais parar. Tem gente que é vegano, eu respeito, mas eu acho que a proteína animal ainda vai ser o carro-chefe da alimentação mundial por muitos e muitos anos. Acredito que o combate à desigualdade no mundo começa por alimentação e educação. E à medida que se reduza a desigualdade o agro mundial vai ter um crescimento exponencial. Por isso estamos olhando com muita atenção para toda esta parte de inovação dentro do agro.
Na relação com a tecnologia, o Grupo SLC é um desenvolvedor?
Não, eu diria que não. Nós somos um usuário ávido por tecnologia. A SLC não gera por si só tecnologia. Somos muito mais multiplicadores de tecnologia. O nosso pessoal está constantemente viajando o mundo todo, desde o vale do Silício até a China, passando pela África, pelos Estados Unidos, olhando quais são as tendências. Para Europa vamos menos, mas onde tem agricultura extensiva nós vamos observar, buscar novas tecnologias. Somos, mais, um early adopter de tecnologia. Um grande usuário, um multiplicador.
Como está o Brasil no mapa global do agro?
O Brasil já é a potência do agro mundial. Hoje, o Brasil só não produz a maior tonelagem de grãos em geral porque a China e os Estados Unidos produzem trigo e milho em quantidades que o Brasil não acompanha, e porque o trigo é uma planta que não se adapta bem no Brasil. Mas o Brasil já é o número um em soja, número um em carnes, número um em laranja, número um em café, número um em cana de açúcar... E chegamos em segundo ou terceiro lugar em milho, algodão e em uma série de outros cultivos e produtos. Então o Brasil já é uma grande potência. Nos diferentes mercados agrícolas ou lideramos ou somos desafiantes. A soja não começou no Brasil, mas já somos os maiores graças à transformação do cerrado nos anos 1970. A Embrapa, liderada pelo ex-ministro Alysson Paulinelli, transformou aquela região e toda a agricultura do Brasil. Eu lembro de 1979, quando compramos a primeira fazenda no Cerrado. Nós fomos lá porque um amigo do pai, de tanto insistir, conseguiu vender pra gente uma fazenda de 5 mil hectares pertinho de Brasília. O pai olhou e disse: "Quando é que isso aqui vai render alguma coisa?" Aquilo era uma secura do cão. Mas não conhecíamos o Cerrado brasileiro.
Chegaram no momento certo...
Logo começou o trabalho da Embrapa de introduzir tecnologia. Tiramos partido de vantagens como abundância de chuva por um período bem definido e a capacidade de produzir duas safras em um ano, enquanto os Estados Unidos só conseguem uma safra anual. Então, depois daquela primeira fazenda em Brasília, começamos a perceber... "Ó, tá dando certo!". Fomos então comprando mais fazendas – no Mato Grosso do Sul, no Maranhão... Aliás, lembro que a gente vendeu uma fazenda de 1.800 hectares que tínhamos no Rio Grande do Sul. Com o dinheiro daquela venda, distribuímos 70% a título de dividendos e com os 30% restantes nós compramos 25 mil hectares no Maranhão...
Uma equação que demonstra o quanto a terra era barata naquela região...
Pra ser exato, naquela compra pagamos US$ 18 pelo hectare. Hoje, o hectare lá está valendo cerca de US$ 4 mil. Naquela época, foi avassalador o movimento de subida dos gaúchos, catarinenses e paranaenses para o Centro-Oeste. Todo mundo foi para lá, colonizar, graças ao baixo custo da terra e ao surgimento de novas sementes e aos novos tratos de plantio desenvolvidos na Embrapa. O que aconteceu no Cerrado brasileiro, a partir dos anos 1970, fez o nosso país se tornar um celeiro do mundo, e também uma ameaça.
Ameaça?
Nós temos uma altíssima produtividade. Pelo clima, o produtor pode ter duas culturas anuais no Cerrado – a dobradinha soja e milho ou a dobradinha soja precoce e algodão. O americano e o europeu só podem ter uma safra por ano. Isso reduz significativamente os nossos custos, e nos permite produzir muito barato em relação a outros países, e com altíssima produtividade. É por isso que eles nos veem como uma ameaça. E então o Sr. Macron [Emmanuel Macron, presidente da França] vem com esta história de dizer que nós estamos desmatando a Amazônica para plantar soja, o que é totalmente falso. É uma grande orquestração, com caráter protecionista. Não tenho nenhuma dúvida disso. A lei brasileira é uma das mais severas do mundo em termos de proteção ambiental. Nosso país tem pelo menos 66% de suas florestas preservadas. As queimadas na Amazônia são pontuais, algumas relacionadas inclusive a práticas extrativistas que são tradições indígenas.
O debate está prejudicado pelos exageros?
Eu sou um defensor da lei, e acho importante fiscalizar para que não seja usada nenhuma terra no bioma amazônico, que nenhuma árvore seja derrubada para cultivo agrícola. Mas não me venham com balelas como a de que o mundo não deve comprar soja do Brasil porque é produzida à custa de devastação da Amazônia. A agricultura brasileira não produz dano ao ambiente. Produz riqueza. As culturas de soja, milho e algodão estão enriquecendo o Cerrado, e todo o Nordeste. Aquilo que era um cenário de pobreza horrorosa décadas atrás está se desenvolvendo. Cidades como Luiz Eduardo Magalhaes e Mimoso do Oeste estão florescendo, assim como Lucas do Rio Verde e Rondonópolis. Veja o Tocantins, o sul do Maranhão, todas estas áreas que eram de pobreza estão se transformando com a agricultura. Isso de dizer que o agro brasileiro é o predador do meio ambiente é absolutamente falso! É estratégia de quem não consegue concorrer com o Brasil, e cada um se defende como pode. Os Estados Unidos estão no limite de suas terras cultiváveis, por exemplo.
Como o Brasil deve reagir a essas acusações?
Em primeiro lugar, o Brasil precisa se comunicar melhor. Acho que o governo brasileiro ao longo dos anos tem sabido dar um grande suporte à agricultura e à defesa do meio ambiente. O Brasil vem fazendo a coisa certa – mas não tem conseguido comunicar bem tudo o que faz. Nossa legislação sobre meio ambiente é a mais rigorosa do mundo e faz do Brasil um grande protetor ambiental. Isso precisa ser dito com clareza. Claro que não é possível negar a existência daquele cara extrativista que vai lá cortar madeira à margem da lei e vender a peso de ouro para americanos e europeus, inclusive... Mas são casos eventuais, que devem ser combatidos – e são. O que precisa ficar claro é que o agricultor brasileiro é o maior interessado em proteger o meio ambiente.
"Quando compramos nossa primeira fazenda no Cerrado, por insistência de um amigo do meu pai, aquilo era uma secura do cão. Meu pai olhou e disse: 'Quando é que isso vai render alguma coisa?'"
Como se dá isso, na prática?
A integração lavoura-pecuária diminui o impacto ambiental. Ter árvore junto com lavoura e pecuária é uma prática mitigadora da emissão de carbono. Nas nossas fazendas temos metas para reduzir o uso de nitrogenados para adubar a terra, controle de resíduos... Temos o objetivo de reduzir em 25% a emissão de carbono nas nossas áreas. Está dentro do nosso planejamento. O Brasil é dos poucos países que está fazendo algo concreto, fático, para reduzir a emissão de carbono. Os fatos estão aí. Temos de mudar essas narrativas de devastação ambiental. O Brasil apoia, e tem de continuar apoiando, o Acordo de Paris. Eu vejo acordos desse gênero como um bem para a humanidade. Nós temos de cuidar do nosso planeta e pensar no que vamos deixar para nossos netos, bisnetos, trinetos...
Como o agronegócio brasileiro pode ser ainda mais eficiente?
Os subsídios que outros países dão aos agricultores, principalmente na Europa, prejudicam a livre concorrência. O Brasil, poucos anos atrás, ganhou uma ação que moveu na Organização Mundial do Comércio contra os subsídios dados pelos Estados Unidos aos produtores americanos de algodão. O produtor de lá ganhava um benefício do governo e depois vendia no exterior aquele algodão com preço subsidiado. O Brasil recebeu uma indenização de US$ 800 milhões dos americanos por causa dos prejuízos que aqueles subsídios nos causaram. O Brasil é um dos poucos países que não dá subsídio aos seus agricultores. Pelo contrário, o produtor do Brasil é penalizado pelos problemas de infraestrutura que temos. Apesar de que estamos conseguindo avançar muito nesse campo. Ainda temos muitas deficiências de logística, mas acho que o ministro Tarcísio, com o apoio do Paulo Guedes, tem feito um trabalho excelente melhorando estradas, concluindo ferrovias e pontes que estavam inacabadas por muitos anos, encaminhando a privatização de portos... Temos excelentes ministros que estão trabalhando em silêncio.
A possibilidade de permitir a compra de terras por estrangeiros no Brasil é um tema recorrente, e sem definição nos últimos anos. Agora, a matéria está novamente em vias de votação no Senado. Qual é a sua opinião?
Eu vejo com muita tranquilidade essa possibilidade. Vamos olhar assim: como é, por exemplo, a indústria dos supermercados no Brasil? Tem Carrefour, tem Walmart, entre outras redes estrangeiras. E assim é em vários setores: a indústria automobilística é 100% estrangeira, e não há problema nisso, não é? No mundo, as empresas são globais. Então eu vejo a possibilidade de venda de terra para estrangeiros como algo natural. É uma fonte de dinheiro muito barato pra alavancar o agronegócio. Eu sou favorável porque isso dará liquidez ao mercado. Ninguém é obrigado a vender a terra, se não quiser e se não for um negócio interessante. Se tu és um pequeno agricultor de 100 hectares e não sabe o que fazer com a tua terra, poderá ser explorado pelo vizinho ou poderá aceitar vender para um estrangeiro que pagará um valor de mercado.
Há questões políticas que sempre vêm à tona nesta discussão, especialmente preocupações com soberania.
Fundos soberanos não poderão comprar terra e eu concordo. Mas nos demais casos, sem problemas. As leis são brasileiras, e os estrangeiros que comprarem nossas terras obedecerão às leis ambientais, vão gerar empregos, gerar impostos, gerar divisas. "Ah, mas o estrangeiro vai pegar toda soja que plantar e levar pra China..." Mas isso ele já faz na bolsa a hora que quiser... Então eu sou favorável ao projeto de lei que possibilita a venda de terra para estrangeiros.
A conectividade, ou a falta de conectividade, tem sido apontada como um ponto de estrangulamento para a automação da propriedade rural e tudo aquilo que está dentro do conceito de agricultura 4.0. Como o Brasil está, neste tópico?
Estamos melhorando muito neste aspecto. Muito mesmo. As empresas vêm investindo em tecnologia, e nós, do agro, estamos puxando isso. Nossa empresa tem acordo com a Oi e com a TIM para colocação de antenas nas nossas fazendas, com o objetivo de melhorar a conectividade. Isso está andando rápido no Brasil. A própria John Deere tem um programa de conectividade no campo, assim como a Massey e a Case. Ainda temos problemas lá no interior do Mato Grosso, do Maranhão, mas à medida que a telefonia celular avançar das cidades para o campo, a tecnologia nas fazendas vai se desenvolver muito rápido, assim como tem acontecido com a infraestrutura de estrada, ferrovia, porto...
A África é ameaça ou oportunidade para os grupos mais eficientes do agronegócio brasileiro?
A África é o continente que não despertou ainda... Veja que, segundo estudos da ONU, a África será em 2100 o continente mais populoso. Hoje, os países mais populosos são China e Índia, mas a curva demográfica destes dois países está chegando ao seu ápice. Na África, não. A população lá está crescendo em ritmo exponencial. Em 2100, o mundo deve ter 10 bilhões de habitantes e toda essa população vai ter de comer, e certamente não vão ser os Estados Unidos, somente, nem Brasil, Argentina, América do Sul, que conseguirão produzir tanta comida. A questão não é nem de dinheiro. É de como produzir para toda essa gente.
A entrada da África como grande produtor mundial não será suficiente para abastecer o acréscimo populacional do mundo?
A África vai ter de achar uma solução para seus problemas. E o principal problema da África é tribal. Estivemos por lá várias vezes, investigando possibilidades em Angola, Moçambique, África do Sul. Mas... os problemas tribais não se resolvem. Se o ministro da Agricultura resolve uma coisa, tem de ir discutir com o chefe da tribo. A questão tribal não se resolve. Mas terá de ser equacionada ao longo do tempo. A China come cada vez mais e melhor. A Índia, apesar da questão de não comer boi, vai consumir cada vez mais proteína animal. A África vai ter de seguir este caminho e aumentar a produção, pois do contrário ou a população não vai crescer, ou mais africanos, que já são subnutridos, vão morrer por falta de alimento.
Algumas previsões apontam a África como um provável grande player na produção de comida e um futuro competidor do Brasil.
Eu não vejo a África como ameaça. O continente tem um grande problema. Metade é deserto. Onde há potencial é na África subsaariana. Angola, por exemplo, está no mesmo paralelo de Fortaleza, do Nordeste brasileiro, e tem um cerrado semelhante ao Cerrado brasileiro. Eu estive lá, observando. Moçambique é a mesma coisa, está do lado do Oceano Índico. O potencial para produzir alimento existe. Mas acho que eles vão produzir para si mesmos, para consumo interno. Não os vejo como ameaça ao sistema de produção do agro brasileiro. De todo modo, os africanos terão de mudar seu sistema de produção para dar este salto. A situação lá, neste aspecto, é pior do que era que a do Brasil 50 anos atrás. Além dos conflitos tribais, metade da África é ditadura, e isso vai ter de ser resolvido.
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Comentários: 2
Excelente entrevista. O jornalista fez perguntas pertinentes.
Que baita entrevista.