Não é você, sou eu

Uma confeitaria assume: não sabia precificar seus produtos
Não havia saída fora da remarcação do cardápio da confeitaria

Uma estratégia comum de quem pretende terminar um relacionamento sem magoar o crush ou dar muito motivo para discussão é o "não é você, sou eu". Funciona assim: o sujeito ou a garota chama o(a) parceiro(a) para uma conversa e informa que o envolvimento termina por ali. O motivo? Bem, "não é você, sou eu", o que dá abertura para toda a sorte de escusas: que não se sente preparado para um compromisso sério, que está com os sentimentos confusos, que precisa se dedicar aos estudos, ao trabalho ou à mãe doente. A lista é infinita. Se der certo, a outra parte engole a desculpa e não sai com o orgulho ferido: o problema, afinal, está do lado de lá.

Negócios não costumam lançar mão dessa assunção de culpa. Geralmente, nas cartas a investidores que acompanham os resultados anuais, gestores se queixam da economia, dos impostos, das chuvas (ou da falta delas), do aumento de custos, da falta de mão de obra (ou do excesso dela) e de tudo o mais que pareça plausível para isentar-se de responsabilidade por números fracos. A lista é infinita também.

Pois uma confeitaria porto-alegrense resolveu fazer diferente. Na iminência de aumentar seus preços significativamente de uma hora para outra, abriu o jogo e revelou, em sua rede o social, as razões para o reajuste. Em suma, o estabelecimento afirma que matou no peito uma série de aumentos de insumos desde 2020 pois achou que poderia compensá-los fazendo crescer a produção. Ledo engano. Depois de contratar uma consultoria, descobriu várias falhas em seu processo produtivo, que, associadas à precificação malfeita, redundaram em prejuízos capazes de consumir o caixa da companhia. Não havia saída fora da remarcação do cardápio.

Inflação, incertezas econômicas, novo governo, guerra na Ucrânia, fraude nas Americanas? Nada disso. Os problemas eram internos mesmo, daqueles do bê-á-bá da administração e com os quais todo microempresário se defronta em algum momento mas que jamais assume publicamente com tamanho desprendimento e transparência.

A julgar pelos likes e comentários na página do Instagram, a reação foi positiva. Os clientes entenderam a situação e fizeram juras de amor ao lugar. Uma sinalização de fidelidade que vai passar pelo seu teste mais duro agora, quando pesar no bolso. Provavelmente a casa vai perder uma expressiva parte da clientela, mais sensível a preço, e conservar uma minoria de fé. E se a fé não costuma falhar, como canta Gilberto Gil, será a partir desses consumidores que a confeitaria entrará em um ciclo saudável de crescimento e expansão – para bradar orgulhosamente, no futuro, a causa de sua recuperação: "não fui eu, fomos nós".

Veja mais notícias sobre Gestão.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Sábado, 04 Mai 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://amanha.com.br/