Covid-19 estabelece novas tendências no varejo
O cenário de explosiva transformação, formado por fatores controláveis e incontroláveis, mudará o varejo e o consumo de forma tão profunda que podemos falar em um novo AC e DC: antes e depois do coronavirus. Desde já podem ser percebidos movimentos estruturais – moldados pela crise – que impactarão o mercado. Por conta do abissal crescimento do tráfego de dados e informações e mais tempo para seu consumo, Marcos Gouvêa de Souza (foto), diretor-geral do grupo GS& Gouvêa de Souza, revela o surgimento de um omniconsumidor. Trata-se de um cidadão megaconectado e com um discernimento aguçado como nunca. Com consciência, ele avaliará com mais profundidade tudo que chega ao seu conhecimento, reposicionando relações e percepções com respeito a marcas, produtos, negócios e serviços. Por isso, crescerá ainda mais a avaliação das questões políticas e sociais e a importância do propósito. "Gerações emergentes já cobram das empresas maior compromisso com o social e o coletivo. A atual crise torna essa demanda mais forte. Será relevante demonstrações desses compromissos, não como simples discurso, mas de forma estratégica e genuína, por meio de ações, iniciativas, comunicação e relacionamento", argumenta Gouvêa. Na visão do maior especialista de varejo do país, será catastrófico para uma marca ser vista como oportunista pelo consumidor-cidadão ainda mais sensível e atento.
A necessidade e a conveniência mudarão a participação dos canais de vendas e relacionamento. "Da mesma forma como aconteceu na crise financeira de 2007-2009 nos Estados Unidos, quando os norte-americanos "descobriram" os Clubes de Atacado, e, em boa parte, mantiveram o hábito de comprar neles mesmo depois de superada a crise. Deveremos ter algo similar no Brasil", aponta Gouvêa de Souza. No país, essa mudança de hábito se dará com parcelas importantes da população aderindo ao e-commerce e o delivery. Canais de vendas e relacionamento crescerão de importância por conta da percepção, quase compulsória, de suas virtudes. Além do mais, a prontidão e condição de inovação serão melhor percebidas pelo consumidor, exigindo mudanças de muitos players tradicionais do varejo.
Empresas "mais digitais" serão favorecidas, na medida em que consigam aprimorar estratégias de logística, abastecimento, comunicação, crédito, pagamentos, entre outros. O crescimento da participação das alternativas digitais já era uma realidade no mundo e precipitava uma forte revisão dos canais e locais de compras. O setor de shopping centers vinha enfrentando esse cenário, repensando a oferta em termos de produtos, marcas e serviços. Por isso, tende a evoluir o processo de reconfiguração dos centros comerciais como destinos de entretenimento e lazer e, de forma mais abrangente, de serviços pessoais.
Outro ponto crucial é a dramática mudança que ocorrerá na distribuição de despesas no orçamento de cada pessoa. No curto prazo serão beneficiados setores de alimentos, bebidas, medicamentos, produtos de limpeza, saúde e bem-estar. Tudo isso com prejuízos em moda, vestuário, calçados, material de construção, lazer, diversão e turismo. Parte desse comportamento pode ser mantido posteriormente se um consumidor mais ressabiado e cauteloso emergir. Já no médio e no longo prazo, a tendência é um aumento dos gastos com serviços, especialmente envolvendo saúde, educação e comunicação. Na recuperação futura, alguns nichos passarão por um mecanismo de compensação. Superada a crise, haverá a retomada dos gastos com turismo, lazer e entretenimento. No entanto, ainda é um enigma se haverá uma compensação imediata do período de privação ou uma gradativa retomada.
Setores inovadores, especialmente em termos de tecnologia, são premiados com capital abundante e os benefícios do ávido mercado financeiro. Porém, agora, segundo Gouvêa de Souza, é possível que haja uma nova dimensão da percepção de risco. "O lado positivo é que fundamentos da gestão de negócios e empresas voltam a ser valorizados. O 'basic to basics' e parâmetros de decisões de médio e longo prazo ganham força", prevê o especialista. Ele também considera que poderá ocorrer um aumento na infidelidade e na propensão à experimentação por parte do consumidor, o que favorece a descoberta de novos produtos, marcas, serviços e lojas, que pode converter-se em preferência se o valor percebido for relevante suficiente. As incertezas, o fim de alguns postos de emprego e a ebulição de novas tendências também abrem brecha para oportunidades. "No final da tempestade, a calmaria será o momento para uma geração de novos empreendedores forjados na maior crise recente da humanidade", considera Gouvêa de Souza.
*Com edição de Valentina Gindri
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