Anticorpos organizacionais
Se metáforas esportivas e bélicas são úteis para entender o competitivo mundo dos negócios, uma outra, vinda da medicina, é especialmente interessante para compreender transformações organizacionais: a dos anticorpos. Como todo organismo vivo, empresas contam com eles para se protegerem de ameaças em momentos sensíveis, como crises econômicas e turbulências sociais. Mas, quando muito entranhados na cultura corporativa, esses mesmos anticorpos podem se converter na perigosa doença autoimune da aversão à mudança.
A imagem é recuperada por Daniel Martin Ely em "O líder em transformação" (Alta Books, 191 páginas), lançado semana passada (foto). Nele, o executivo da RandonCorp repassa sua trajetória profissional e a guinada digital que ajudou a empreender no conglomerado de Caxias do Sul. E assim como para lúpus, vitiligo, psoríase e outras patologias provocadas pelo próprio corpo existem tratamentos, para a zona de conforto há também os seus.
O primeiro, diz Ely, é deixar de tratar a mudança, e especialmente a inovação, como objeto ou preocupação de um departamento específico, e sim como interesse da corporação como um todo. Essa tomada de consciência é fundamental para que a segunda prescrição faça efeito: criar estruturas paralelas para, concomitantemente à operação principal, iniciarem os movimentos nas placas tectônicas empresariais, permitindo que as companhias atuem ao mesmo tempo em formatos quase opostos, exercendo a chamada ambidestria.
O terceiro é convencer-se de que todo processo de mudança é, essencialmente, político, e deve ser conduzido "pelas beiradas", pois o enfrentamento direto das resistências costuma ser infeliz e contraproducente. Se em empresas à beira do abismo o renomado Claudio Galeazzi (1941-2023) recomendava "três tapas bem dados" na cultura organizacional, em companhias saudáveis a coisa é diferente – e demanda mais persuasão, argumentação e arregimentação de seguidores do que radicalismos.
Finalmente, parcerias são igualmente importantes nesse processo. Assim como às vezes um único médico não dá conta de combater um determinado mal, requisitando recursos de disciplinas ou especialidades alheias a sua, a evolução por meio do convencimento requer a geração de vitórias rápidas que aliados como startups podem oferecer mais facilmente. Para isso, é preferível que elas sejam alocadas em espaços físicos fora da sede da empresa-mãe. Só assim escapam da ação deletéria daqueles elementos que, quando acionados fora de hora, convertem um corpo sadio em enfermo.
É inevitável que em qualquer transformação cultural existam vencedores e perdedores. Em recente entrevista, Roberto Setúbal, presidente do conselho de administração do Itaú, reconheceu que seu sucessor no cargo de CEO do banco, Milton Maluhy, "talvez não fosse o mais merecedor considerando a contribuição histórica para o banco, mas estava mais preparado para o futuro" (Valor Econômico, 26/09/24). Administrar a insatisfação dos preteridos é, para nos mantermos na seara das metáforas médicas, um efeito colateral – mas não ter de enfrentá-lo seria sinal de que o remédio certo não fora ministrado a tempo.
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