A responsabilidade social nos países emergentes
No início deste ano, a Forbes informou que a KIND Snacks, companhia de alimentos naturais de Nova York, havia passado de zero para mais de 450 milhões de unidades vendidas nos seus primeiros dez anos. Suas barras com embalagem de arco-íris, hoje muito conhecidas, podem ser encontradas em mais de 150.000 lojas de varejo. De acordo com o artigo, o objetivo do fundador e CEO da empresa, Daniel Lubetzky, é “ter lucro e fazer diferença […] distribuir em massa nosso produto e fazer produtos saudáveis”.
“Fazer o bem e fazer bem feito” ou ter responsabilidade social corporativa (RSC) não é uma estratégia exclusiva da KIND. Empresas, de start-ups a grandes conglomerados, estão incorporando cada vez mais iniciativas sociais e ambientais às suas estratégias. A Microsoft trabalha em parceria com a NETHope, empresa sem fins lucrativos, para a criação de cursos de aprendizado de TI no Quênia. A Disney Corporation contribuirá este ano com US$ 3 milhões em doações para conservação e proteção da vida selvagem. A Gap Inc. tem um programa de conscientização de atitudes saudáveis e de alfabetização para as trabalhadoras da indústria de vestuário no Camboja e na Índia. A JPMorgan Chase tem o Fellowship Initiative, um programa cujo objetivo é ajudar os jovens americanos negros a fazer um curso superior e alcançar o sucesso profissional. A Mattel se comprometeu a usar papel e fibra de madeira de origem sustentável em suas embalagens e produtos.
Montar e sustentar iniciativas sociais é algo que leva tempo, requer bons profissionais e recursos. Cada vez mais, porém, é o que investidores, clientes, empregados e outros esperam e exigem. Os millenials (nascidos entre 1980 e 2000), novos e futuros clientes da indústria, estão especialmente atentos ao compromisso das empresas com o impacto social.
Contudo, seria esse um fenômeno limitado a empresas americanas e europeias? E quanto às empresas multinacionais emergentes das nações em desenvolvimento que lutam pela sobrevivência e pelo sucesso na economia global: elas estão dando atenção a RSC? Elas têm condições para isso, ou não?
Carros elétricos, cosméticos e mais
Há alguns ótimos exemplos de empresas multinacionais emergentes integradas a atividades sociais ou ambientais de impacto. A fabricante chinesa de baterias BYD apresentou o primeiro carro elétrico para o mercado de massa em 2008 e conquistou o primeiro lugar da lista das 100 principais tecnologias da Businessweek, uma publicação da Bloomberg. Apesar da entrada acidentada no mercado americano, a empresa já produziu mais de 1.000 ônibus elétricos que foram vendidos para a Ásia, América do Sul e Europa. Na Índia, a Suzlon Energy, fabricante de grande porte de turbinas eólicas, contribui com a produção de energia renovável e opera em seis continentes.
A Natura Cosméticos (foto), um dos principais fabricantes de cosméticos do Brasil, prioriza a sustentabilidade e a responsabilidade social e tem assento na Union for Ethical BioTrade, que promove a conservação da biodiversidade. De acordo com Mauro Guillén e Esteban García-Canal, em seu livro de 2013, “Os mercados emergentes reinam”, a Natura usa apenas ingredientes naturais em suas fórmulas. A empresa fez alianças com comunidades indígenas da Bacia Amazônica para a compra de matérias-primas fitoterápicas.
Tarun Khanna, professor da Escola de Negócios de Harvard, cita o caso do grupo indiano Tata - um dos maiores conglomerados da Índia com receitas de US$ 108,8 bilhões - e diz que se trata de uma empresa “há tempos reconhecidamente comprometida com fins sociais”. A Greenbiz informou recentemente: “Na Índia, empresas familiares como o Grupo Tata ocupam um lugar no coração e mente dos cidadãos que não pode ser facilmente substituído. Ele é reconhecido por colocar a ‘mão na massa’: constrói escolas e outras instituições sociais. O atendimento dessas necessidades sociais garante a licença de operação dessas empresas.”
Khanna acredita que as multinacionais emergentes precisam estar muito mais afinadas com os fins sociais do que as empresas ocidentais. “Na minha opinião, o Estado, nos países em desenvolvimento, com frequência deixa de atender ao bem público. Em última análise, é preciso que algum agente social entre em cena, pelo menos parcialmente, no setor privado. Muitas vezes, as entidades bem geridas de setores sociais são a única possibilidade local disponível.”
Fazendo a coisa certa do jeito certo
Witold Henisz, professor de administração da Wharton, acredita que haja diversas razões empresariais para que uma companhia participe de iniciativas de impacto social. Contudo, ele adverte que a RSC deve ser elaborada com o propósito de atender aos interesses das partes que, de algum modo, participam da vida da empresa (acionistas, fornecedores, clientes etc.), em vez de simplesmente “fazer doações à orquestra sinfônica ou outra coisa qualquer que não corresponda às preocupações de tais partes […] Os melhores programas de RSC, seja nas multinacionais emergentes ou em multinacionais de países desenvolvidos […] não são apenas filantrópicos. Eles são estratégicos”.
Henisz cita programas de RSC de grandes empresas de refrigerantes, como a Coca e a Pepsi, que geralmente se preocupam com questões como a obesidade, uso da água em nações em desenvolvimento, coisas que consideram boas estratégias. “Esses programas lidam com questões com as quais as pessoas se preocupam nessas empresas. Ao tratar delas, as empresas diminuem a probabilidade de protestos, de regulação excessiva, e firmam relações com as partes citadas que, do contrário, poderiam atacá-las.”
Há um projeto em andamento na Coca que, para Henisz, tem tudo para dar certo. A empresa está investindo em inúmeras lavouras de manga de pequeno porte na África. “Isso está ajudando os agricultores africanos. Eles veem com bons olhos a Coca, porque a empresa os está ajudando a cultivar seu meio de subsistência. Além disso, cria-se também um estoque muito maior de mangas, de modo que a empresa possa criar uma bebida de manga em escala mundial.” O sucesso da RSC se mede, em última análise, pela geração de valor para o acionista e pelo desempenho sustentável a longo prazo”, diz Henisz.
Conquistando corações e mentes
Com relação ao impacto social, Henisz aponta algumas diferenças entre empresas do mundo desenvolvido e multinacionais emergentes. “No Ocidente, nos países desenvolvidos, um número maior de empresas decidiu adotar a RSC e hoje colhe os benefícios disso. Todas estão vivenciando uma mesma experiência juntas.” Já os mercados emergentes apresentam “estratégias muito mais polarizadas”: observam-se “empresas que adotam a RSC desde o início […] e empresas que relutam em fazê-lo ou que nem mesmo veem valor nela”.
Henisz diz que as empresas chinesas, em especial, demoram a adotar atividades com fins sociais no exterior em razão do seu próprio sistema político. “Infelizmente, algumas companhias de petróleo e de mineração da China com que me deparei na África onde faço muitos trabalhos dizem: ‘Bem, o governo é que deveria cuidar disso.’ Na China, o governo realmente toma conta desse tipo de coisa.” O desenvolvimento social na China é responsabilidade do Partido Comunista, diz Henisz, e as empresas não se envolvem. Somente depois “de muitos protestos contra elas por não serem mais responsáveis, por não fazerem as mesmas coisas que as empresas do Ocidente estão fazendo”, as multinacionais chinesas começaram a trabalhar em sua RSC.
Em outros casos, diz Henisz, a atitude de uma multinacional emergente em relação aos fins sociais pode derivar da forma como ela alcançou seu sucesso corporativo original. Ela talvez tenha tido de “sobreviver em um contexto extremamente difícil”, e por isso talvez esteja mais inclinada a práticas de responsabilidade social. Por outro lado, há empresas que foram bem-sucedidas porque “são um braço do governo, têm relações com o presidente, pagaram suborno ou se aproveitaram de uma brecha no mercado e criaram um monopólio”. Essas empresas não pensam de forma alguma em RSC, diz Henisz, “porque chegaram onde estão por meios implacáveis e por terem bons contatos”.
Como exemplo desse último caso - uma multinacional emergente bastante preocupada com a RSC - , Henisz citou o caso da Odebrecht, conglomerado brasileiro com uma grande subsidiária no setor de construção. Ele diz que a Odebrecht quase foi à falência quando foi fundada, mas o CEO da empresa conversou com fornecedores e compradores e pediu a eles que estendessem os prazos de financiamento. A empresa sobreviveu à crise e, “como consequência, o CEO sempre manteve um sólido relacionamento com as partes interessadas na companhia [stakeholders] ? com o pessoal da cadeia de suprimentos e os demais em torno das unidades da companhia”. A empresa faz negócios na África onde, diz Henisz, “estão envolvidos não apenas em grandes projetos de construção, empenhando-se também em ganhar os corações e as mentes das pessoas”.
Por exemplo, na disputa de um grande contrato de construção em Luanda, Angola, a Odebrecht deu um passo inusitado: fez um contrato para limpeza das ruas. Henisz explica que isso deu à empresa uma certa visibilidade no que diz respeito às relações públicas: os funcionários, com os trajes cor de laranja da Odebrecht, varriam as ruas de Luanda e davam conta assim de um dos principais problemas do centro da cidade. Outra coisa positiva foi que muitos desses indivíduos, os quais, futuramente, seriam funcionários da Odebrecht em seus campos de obras, estavam adquirindo know-how prático de trabalho seguindo processos e comparecendo no horário previsto para o trabalho. Embora reconheça que a Odebrecht “esteja um tanto denegrida devido a um escândalo de corrupção recente”, diz Henisz, “eu ainda acho, quando vejo suas operações no exterior, que a empresa sabe o que significa vir de um país pobre. Eles sabem quais são os problemas básicos. Sabem, por causa disso, como se relacionar com as pessoas.”
Por outro lado, uma multinacional que ignora a RSC pode ser comparada ao Grupo EBX, do Brasil, diz Henisz. O presidente da companhia, Eike Batista, magnata do setor de mineração, petróleo e gás, tinha um patrimônio líquido de US$ 30 bilhões em 2012, porém sua fortuna despencou para US$ 200 milhões por causa de dívidas e da queda vertiginosa dos preços das ações de suas empresas. Sua queda do estado de graça em que se encontrava e seu julgamento por atuar com base em informações privilegiadas foram objeto de amplas reportagens dos meios de comunicação. “Suas minas não tinham nenhuma preocupação social”, observa Henisz. “Sua empresa não se baseava no sucesso da comunidade. Ela se baseava em transferências de dinheiro e em convencer as pessoas que ele era bem relacionado.” A EBX hoje está falida, assinala Henisz.
Propósito social na área da saúde
A indiana Narayana Hrudayalaya Private Ltd. é uma multinacional emergente da área da saúde com grande preocupação social. A empresa, que tem fins lucrativos e foi fundada em 2000, hoje tem 56 unidades na Índia e uma nas Ilhas Cayman. Seu criador foi o cirurgião cardíaco Devi Shetty, cujo objetivo era proporcionar procedimentos cardíacos grátis aos pobres e marginalizados. Desde então, a empresa cresceu e hoje se ocupa de outras doenças também.
Khanna, de Harvard, que trabalhou e fez pesquisas pro bono para a empresa por mais de uma década, diz: “O que eu acho fantástico na empresa é que ela oferece hoje a cirurgia cardíaca mais barata do mundo (por exemplo, operação de ponte de safena na artéria coronária e vários outros procedimentos). É 90% mais barato do que nos EUA.”
Shetty criou um modelo de negócio exclusivo com base em economia de escala e que permitiu a Narayana Health ajudar indigentes e ainda assim continuar rentável. Khanna diz que faz alguns anos o Wall Street Journal apelidou Shetty de “o Henry Ford da cirurgia cardíaca”. Ele acrescenta: “Eu, porém, acho que melhor ainda do que a comparação com Ford e seu sistema de produção em massa é a comparação com a Toyota e sua célebre estratégia de aprendizagem para descrever o que Shetty conseguiu fazer.”
A Narayana nunca rejeita um paciente, diz Khanna. Os pacientes que não podem pagar são tratados gratuitamente ou através de campanhas de caridades coordenadas pela rede hospitalar da Narayana. “Portanto, a empresa tem de ser muito eficiente para ter lucro e disponibilizar capital para essa missão social. É fantástico.”
Com relação às multinacionais emergentes e ao propósito social, Khanna diz que um dos “benefícios pouco reconhecidos de se estar afinado com o impacto social” é que ele o coloca “na vanguarda de muitas das questões mais urgentes da sociedade”. Uma empresa bem gerida e um empresário motivado podem transformar isso em vantagens substanciais, disse.
Thomas Robertson, ex-reitor da Escola Wharton e professor de marketing, diz que embora “obviamente, é preciso estar sempre atento aos lucros, ou a empresa não alcança nenhum de seus objetivos”, cada vez mais as empresas estão passando de um modelo que prioriza o acionista para outro mais abrangente que leva em conta os stakeholders. Há um reconhecimento cada vez maior, pela indústria, das responsabilidades para com seus funcionários, clientes, vizinhanças e regiões nas quais opera. “É difícil escapar disso.”
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