Peguei um Ita no aeroporto
Qual a maneira mais rápida de um bilionário tornar-se milionário? Resposta: abrindo uma companhia aérea. A piada é antiga e meio sem graça, mas permanece atual: poucos negócios são mais difíceis que o de transporte aéreo de passageiros. Devido aos custos elevados e à complexidade operacional, volta e meia leem-se sobre enormes prejuízos de empresas tradicionais do setor, que em muitos países, aliás, só sobrevive com subsídio estatal.
Por que, então, ingressar nesse ramo?
Pergunte ao Grupo Itapemirim, de transporte rodoviário de passageiros, que está ultimando os testes para começar a operar sua aérea Ita ainda no primeiro semestre. Não sem dúvidas e desconfianças. Embora afirme ter investidores do Oriente Médio dispostos a colocar R$ 500 milhões no negócio, até aqui os R$ 27 milhões investidos saíram do caixa da companhia que, surpreendentemente, está em recuperação judicial: deve R$ 1 bilhão em impostos e outros R$ 167 milhões a credores (O Globo, 22/04/21).
A recuperação judicial, fique claro, em nada impede o conglomerado de abrir novas empresas. Legalmente, portanto, não existe óbice. O que deixa qualquer observador intrigado é a decisão de investir num negócio historicamente difícil, especialmente no Brasil.
Por um lado, pode-se argumentar que se trata de setores análogos, o de transporte aéreo e rodoviário, e que a Gol, a maior companhia do país, fez movimento semelhante duas décadas atrás: das estradas para os ares. E que a própria Itapemirim já operou como transportadora de cargas aéreas, até alguns anos atrás. Ou seja, tratar-se-ia de um movimento estratégico lógico.
No entanto, a companhia foi lançada em março do ano passado, em meio a uma crise econômica e a um início de pandemia. E, de lá para cá, não conseguiu convencer analistas de que o empreendimento será viável. Leia isto, por exemplo: "o grupo afirmou que, para contornar a crise do setor, seu projeto prevê um 'serviço diferenciado aos seus passageiros'. 'Em resumo, é a pessoa, o olho no olho, que vamos priorizar entre todos os colaboradores e os passageiros', afirmou, em nota" (notícia completa aqui). Não precisa ser especialista para saber que a conta não vai fechar.
Talvez a explicação para a decisão seja meio psi, meio econômica. O célebre economista John Maynard Keynes (1883-1946) traduziu o afã empreendedor numa expressão: espírito animal. "[A maior parte das nossas decisões] de fazer algo positivo (...) só pode ser entendida como o resultado de animal spirits [...] e não como o fruto de benefícios mensurados multiplicados por probabilidades mensuradas (...) de tal modo que a antecipação da perda final (...) seja afastada e posta de lado, as sim como um homem saudável afasta a expectativa da morte", escreveu ele ("General Theory", 1936, p. 161-2, citado por Gianetti, 1997) .
O filósofo e economista Eduardo Gianetti completou, interpretando a ideia keynesiana à luz de um dos seus temas de predileção, o autoengano: "A cegueira protetora do empreendedor filtra a incerteza e exacerba o brilho da realização. Os animal spirits keynesianos (...) parecem conter um claro e generoso componente de autoengano" ("Autoengano", Cia. das Letras, 1997).
Considerando o volume de investimentos que companhias aéreas exigem e o tamanho da dívida do Grupo, o caso da Itapemirim parece um alto engano também.
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