Um vírus letal para empregos, renda e oportunidades
A insurgência do coronavírus (Covid-19) tem chamado a atenção do grande público, seja pela profusão de notícias, seja pelo tom alarmista de muitas delas. O que é sabido cientificamente, até o momento, é que a letalidade do vírus não é tão elevada quanto parecia nos primeiros casos, porém ele é altamente contagioso. Numa escala de preocupações, vale lembrar que a gripe comum mata milhares de pessoas todos os anos e que a dengue tem produzido um quadro de contágio e de letalidade muito maior em países como o Brasil. O maior motivo de preocupação real, todavia, não tem merecido o devido destaque. As consequências econômicas das medidas tomadas para prevenir ou controlar a epidemia podem ser mais danosas à vida das pessoas do que os sintomas do vírus.
A contenção da disseminação do surto pelo governo chinês, e o medo das pessoas devido ao desconhecimento inicial sobre a letalidade e a possibilidade de contaminação, paralisou a produção do "chão de fábrica" do mundo: a província de Wuhan. O alarmismo fez com que uma doença não tão letal se tornasse potencialmente muito letal, só que do ponto de vista econômico. Os efeitos iniciais e diretos sobre as cadeias globais de valor vão em quatro sentidos. O primeiro efeito é a redução do nível de atividade industrial da China e do mundo como um todo, uma vez que milhares processos produtivos espalhados pelo globo dependem de insumos, peças, parte e componentes fabricados em Wuhan.
O segundo efeito é sobre a atividade comercial. Importadores e comerciantes de produtos chineses sofrerão falhas de abastecimento e terão redução de venda por falta de mercadorias. Polos de varejo, como a 25 de março, em São Paulo, e o Saara, no Rio de Janeiro, são locais com grandes chances de perderem faturamento em relação ao ano passado. Já o terceiro efeito é sobre as viagens de negócios e de turismo, o que afeta a cadeia que envolve a rede hoteleira, agências de viagens e companhias aéreas. Destinos como Ásia e Europa (especialmente a Itália – responsável pelos casos se manifestaram no Brasil) tendem a ter redução expressiva do fluxo de turismo e, portanto, queda nos negócios.
O quarto efeito afeta o volume de exportações do país, principalmente as commodities e os bens intermediários brasileiros que são utilizados nos processos produtivos de outras nações. A redução do ritmo da produção industrial reduz a procura por itens importantes de nossa pauta de exportações, que já vinha sendo afetada pela guerra comercial da China com os EUA, a crise econômica na Argentina e a desaceleração da economia europeia. Por isso tudo, o Brasil, que já contava expectativa de crescimento medíocre em 2019, tenderá a repetir o desempenho pífio de 2020. Não seria tão ruim se, desde de 2014, o país não estivesse enfrentando uma lenta recuperação da recessão de 2015 e 2016.
As coisas ainda podem ficar piores globalmente. Desde a Grande Recessão de 2008, as políticas monetárias das principais economias mundiais, em particular os Estados Unidos e a Zona do Euro, foram acentuadamente expansionistas com o objetivo de estimular o crescimento e a recuperação das economias. As taxas de juros artificialmente baixas fizeram com que uma série de ativos relacionados a projetos de investimento outrora pouco rentáveis se tornassem atrativos. Alimentados pela injeção de liquidez, os mercados de capitais internacionais fugiram de taxas de juros negativas de vários títulos soberanos e passaram a buscar qualquer possibilidade de rentabilidade em projetos de retorno duvidoso. Em decorrência, os preços dos ativos nos mercados internacionais dispararam, o que pode se chamar de "inflação de ativos" e uma bolha parece ter sido gestada.
Pode ser que os desdobramentos econômicos do coronavírus e a queda de demanda agregada sejam tais que representem o "pontapé" inicial para uma ampla correção dos preços de ativos (o que levará a uma desvalorização das bolsas de valores e das taxas de câmbio) e a fuga de capitais para ativos reais, como o ouro – que desde 2018 vem sendo cada vez mais negociado internacionalmente e com cotação crescente – o que indica uma apreensão já existente nos mercados. Neste caso, se daria um excesso de oferta e de capacidade produtiva em diversos setores econômicos mundiais, encaminhando o mundo para mais uma crise global depois de pouco mais de uma década após o crash de 2008.
Portanto, se as repercussões mais negativas acontecerem, mais do que a apreensão com o Covid-19 pela esfera da saúde pública, devemos nos preocupar também com as consequências econômicas da doença e a quantidade de vidas que podem ser afetadas em termos de emprego, renda e oportunidades.
*Mestre em economia e doutor em administração pública e governo. Coordenador do Centro Mackenzie de Liberdade Econômica, de São Paulo.
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