Tudo muda
Mudanças culturais e comportamentais costumam ser lentas, e sua tradução em hábitos de compra, também. Ao contrário de impactos econômicos, convertidos em escolhas quase imediatamente, tudo o que diz respeito ao modo de pensar e enxergar a vida precisa de tempo para maturar. Por isso, para não ser pego desprevenido, o ideal é monitorar com alguma periodicidade aquilo sobre o que se tem interesse: nas pequenas alterações incrementais pode estar o sinal de uma tendência.
É o que costumo pensar toda vez que leio matérias sobre o mercado para animais de estimação e seus produtos e serviços que, em outra época, consideraríamos extravagantes. Dezenove anos atrás, eu e um colega fomos contratados por empreendedores dispostos a investir em um plano de saúde para pets. À época, só conseguimos localizar cinco negócios assim no país, todos ainda incipientes e praticamente sem atuação no Rio Grande do Sul. Mas ser pioneiro já estava previsto pelos contratantes; faltava saber se do lado da demanda haveria espaço para um serviço como aquele.
E as respostas, a partir de uma pesquisa com proprietários de pets, deixaram os investidores com um pé atrás. Embora já houvesse sinais de que os pets eram membros das famílias e alvo da projeção de afeto dos donos, as visitas ao veterinário ocorriam uma ou duas vezes ao ano, para renovação das vacinas. Assim, os custos das consultas não eram considerados elevados; somente tratamentos longos, emergências ou problemas intermitentes pesavam no bolso. Por isso, embora não rejeitassem o plano de saúde, viam-no com cautela. Eram racionais e cuidadosos ao cogitar uma nova despesa fixa com o mascote.
Uma decisão a ser bem pensada, para avaliar se compensava pagar um plano ou se o melhor era fazer desembolsos maiores quando um problema ocorresse. O amor dos donos para com os pets não implicava fechar os olhos para as despesas e para o "bom senso". Bichinhos deveriam receber os cuidados suficientes à sua boa saúde. Tutores temiam, inclusive, identificar-se com condutas excêntricos adotadas por alguns proprietários, que exageravam nos mimos.
Bem, quase duas décadas se passaram, e a sociedade se transformou. A demanda por bichinhos de companhia cresceu e a consciência sobre os cuidados exigidos por eles, também. Falar em pai ou mãe de pet tornou-se comum. Como consequência, o que se chamava de extravagante, no passado, hoje talvez já soe tolerável ou corriqueiro. E o que parecia um gasto desnecessário tenha se tornado parte do custo fixo de muitos lares. Cultura e comportamento evoluíram, hábitos de consumo também – num sinal de que, como cantava Mercedes Sosa, "todo cambia" ("tudo muda"). E às vezes é só questão de tempo para uma ideia original se mostrar viável.
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