Propósito de vida
Sábado passado, num voo comercial para o Nordeste, orelhei uma conversa que rolava logo atrás de mim. Como se estivessem fazendo uma sessão de coaching, dois homens de meia-idade entretinham animada discussão sobre os propósitos de vida de cada um. Conversa eivada de um jargão que mesclava psicologia, filosofia e até teologia, adormeci pensando no que entendera. Afinal, será que eu também tinha ou não um propósito de vida?
Não sei, francamente, porque por certo estou mais apto a responder sobre as coisas que me dão prazer do que sobre as motivações de natureza mais transcendental que me movem. Na verdade, nada parece ter sido um fator motivacional tão forte em minha vida quanto conhecer o mundo. Viajar o máximo que pudesse sempre foi uma aspiração mais consistente do que me cercar de objetos, ficar preso a bens ou constituir uma família para chamar de minha.
Por outro lado, se o essencial da curiosidade que me movia foi parcialmente saciada, a verdade é que ainda tenho uma missão de longo fôlego e vou precisar de todas as energias para documentar e compilar o riquíssimo acervo do que aprendi em minhas andanças, do que observei das culturas, das quadras trepidantes que vivi em muitos outros domínios, a maioria delas certamente prazerosas, mas outras que trouxeram alguma dose de amargura.
Nesse contexto de fatos, sonho em poder narrar na primeira pessoa um simulacro de "o mundo que eu vi". Isso feito, queria reunir as centenas de crônicas que escrevi para a imprensa desde o começo dos anos 1990, com a primeira aparição na Ícaro, a revista de bordo da Varig. A mesma mobilização se dá também em torno de legar um ou dois romances que tragam minha visão do Brasil de ontem, hoje e do futuro. Isso já demanda um esforço hercúleo.
Quanto ao mais é conseguir uma boa navegabilidade pelos caminhos tortuosos da memória e do bem-estar físico, o que é sempre um enorme desafio. Isso feito, me sentiria mais a gosto para vasculhar o mundo à procura dos lugares onde ainda não fui, e regressar a uns tantos outros que deixaram um gostinho de quero mais. Acompanhar as quatro estações do ano da maneira mais próxima à natureza que for possível seria também uma ambição.
Se certas ou erradas, egoístas ou desprendidas, modestas ou arrojadas, não saberia dizer. Mas o conjunto dessas ações é o que persigo de mais sagrado. Não almejo glórias nem consagrações, e já estou bastante contente com o que consegui até aqui. Mas se o propósito de vida tem a ver com aquela voz que vem lá de dentro, estou no bom caminho para apontar o horizonte e dizer que é para lá que quero rumar. Pena que depois de um horizonte venha sempre outro.
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