Fé nenhuma
Se eu fosse um dicionarista dos negócios, estaria pronto para acrescentar um novo verbete ao meu compêndio: agnóstico. E assim o descreveria, devidamente ilustrado por exemplos:
(adjetivo substantivo masculino)
- §Diz-se daqueles que não escolhem para quem venderão seus produtos ou serviços. O importante é comercializá-los. "Não estamos olhando quem é e quem não é concorrente. Somos a solução de logística, independentemente de onde ele (o comerciante) tenha vendido. É 'agnóstico' o negócio'" (Roberto Fulcherberguer, CEO das Casas Bahia. O Globo, 14/02/2022).
- §Característica de quem não tem preferência precípua por ramos nos quais apostar o dinheiro. Investe em negócios promissores, e ponto. "A (plataforma de investimentos) Endeavor não escolhe setor específico (nos quais apostar). 'Somos agnósticos'" (Igor Piquet, diretor da Endeavor no Brasil. Pipeline Valor Econômico, 08/04/2022).
- §Virtude daquele que não mistura convicções ideológicas com posicionamentos políticos públicos, nem fecha canais de diálogo com governos de pensamento oposto. "O agro tem que ser um pouco mais agnóstico politicamente, tem que concentrar seu foco na estratégia de longo prazo" (Fabiana Alves, CEO do Rabobank. Valor Econômico, 10/04/2023).
- §Atributo de empreendimentos que procuram atender a todos os potenciais clientes, independentemente de porte ou condição jurídica. "Tentei criar uma plataforma agnóstica, que pudesse atrair o cliente de alta renda, quem está começando a vida (...) e o microempreendedor individual, que tem necessidades específicas" (João Vitor Menin, CEO do Banco Inter. Azul (revista de bordo), agosto 2023).
Parece repetir-se nos negócios dois fenômenos já observados na economia. Primeiro, a apropriação do vocabulário teológico para explicar sua própria disciplina. Segundo, valer-se dele como instrumento de persuasão e implementação de ideias. Dizer-se agnóstico ajuda a materializar o pragmatismo no dia a dia, pelo visto.
A tendência, contudo, não deixa de conter suas contradições. O agnosticismo é prescrito para empresas, mas não para trabalhadores e consumidores. Estes devem ser instigados a manifestar crença profunda em marcas, por exemplo. "As pessoas que só compram seus produtos por preço são clientes do preço. As pessoas que compram seus valores (...) são seus fiéis", pois "[t]oda marca é uma igreja" (Nizan Guanaes, Valor Econômico, 11/04/23). Aqueles devem "crer para ver. Você tem uma crença e trabalha duro para que ela se torne realidade", sempre com "(...) entusiasmo, (para) fazer girar a roda com energia" (Alexandre Birman, CEO da Arezzo, em entrevista ao Estadão em 30/08/2023).
Pois até nisso se parecem com os economistas. Quando era ministro da agricultura do governo FHC, Marcus Vinícius Pratini de Moraes disse num evento liberal uma verdade incômoda: os países ricos adoram o Deus Mercado quando se trata de vender de lá para cá, mas nunca de cá para lá. Empresários se manifestam agnósticos, mas temem que consumidores e trabalhadores façam o mesmo. Se o pragmatismo é uma boa orientação para os negócios, por que não seria para o trabalho e para o consumo? Parecem, no fundo, ecoar o General Patton, norte-americano que combateu os nazistas: "Jamais se ganhou qualquer guerra morrendo pelo seu país. Guerras são ganhas fazendo os idiotas do outro lado morrerem pelo país deles."
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