A falácia da diferença
No meu segundo ano de blog, aqui em AMANHÃ, fiz um post comentando a saída das Casas Bahia do Rio Grande do Sul. Queixei-me da explicação simplista sobre a desistência da varejista veiculada pela imprensa local, que atribuía ao “bairrismo” dos gaúchos o insucesso da rede – os consumidores locais supostamente se negariam a comprar em uma loja cujo nome remetia a um estado com o qual não guardavam afinidades culturais (relembre aqui).
Embora diferenças regionais e nacionais de comportamento obviamente existam, elas costumam ser amplificadas pelo imaginário, construindo estereótipos que tendem mais à caricatura do que à realidade – e distorcendo a ideia que uma população faz de si mesma.
O exemplo mais óbvio é o dos gaúchos. Bairristas e ciosos de suas “tradições”? Até pode ser. Mas seriam menos bairristas que os cariocas, sejam eles nativos ou por adoção? Exemplos não faltam. As jogadoras de vôlei Jaqueline e Isabel, nos anos 1980, corriam para pegar o avião no final das tardes de sexta-feira, quando treinavam com a seleção brasileira, em São Paulo, para chegar a tempo de aproveitar a praia em Ipanema. E o que dizer do mineiro Ruy Castro, que construiu uma extensa e deliciosa bibliografia em homenagem à cidade na qual reside desde criança e a qual defende das críticas com unhas e dentes em suas crônicas diárias?
Agora, descubro que pernambucanos guardam um orgulho insuspeito de seus feitos, que paraenses zelam por seu sotaque a ponto de não gostar da maneira como foram representados na TV e que baianos são alertados para “moderarem” no bairrismo.
A falácia da diferença vale até para aspectos negativos. Anos atrás, li num jornal local que os porto-alegrenses seriam “os piores motoristas do Brasil”, e seu trânsito, o mais agressivo. Bem, repare como os paraenses se veem: “Bairristas. Motoristas imprudentes. Cidade suja. Pessoas má educadas, entretanto, hospitaleiras” (completo, aqui). E o que dizer do Brasil, lugar no qual, supostamente, só se começa a trabalhar depois do Carnaval e vive-se de driblar a lei – será tão diferente assim de outras nações?
No fundo, o que conhecemos do mundo por experiência é muito pouco. Sabemos dele por estereótipos – os quais, não podemos negar, jornalismo e publicidade ajudam a reforçar, pois são fáceis e de compreensão imediata. No entanto, sociedade nenhuma é monolítica, organizada em torno de comportamentos únicos e impermeáveis.
Se os últimos anos foram de intensa – e justa – mobilização das mulheres para que parassem de ser representadas de maneira estereotipada na mídia e na propaganda, quem sabe não comecemos a reivindicar o mesmo em relação aos nossos lugares de origem – cidades, estados, países? Mal não faria.
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