Um parreiral de controvérsias sobre o novo modelo de gestão do Fundovitis
Como o blog Cepas & Cifras, do Portal AMANHÃ, antecipou, a assembleia extraordinária da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra) ocorreu na sexta-feira (23). No encontro, as indústrias associadas aprovaram resolução autorizando a entidade a congregar, a partir de agora, cooperativas e produtores de uva em um conselho. É uma mudança importante para habilitar a Uvibra a decidir o destino dos recursos do Fundo de Desenvolvimento da Vitivinicultura (Fundovitis). O recurso que totaliza R$ 12 milhões está travado na conta do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin), entidade que não pode utilizar o dinheiro em função de questionamentos e alegações de improbidade apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) em relação à prestação de contas do período 2012 - 2016. Na semana passada, AMANHÃ adiantou com exclusividade os bastidores da crise do Ibravin (clique aqui para ler a reportagem).
Havia a expectativa de que o termo de entendimento entre a Uvibra e a Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul (SEADPR) seria firmado na mesma tarde em que a assembleia da entidade ocorria, e o palco da cerimônia seria a Expointer, que está acontecendo no Parque Assis Brasil, em Esteio, região metropolitana de Porto Alegre. Como, no entanto, ainda restam muitos trâmites burocráticos para esta formalização, a assinatura do documento ficou para mais adiante, sem data definida.
Agora, o novo estatuto da Uvibra será apresentado a cada entidade que fará parte do conselho. O objetivo é conferir se todas as entidades concordarão com as mudanças. O texto também será apresentado para a SEADPR, de modo que a pasta possa certificar se estão atendidos os requisitos legais para o convênio de repasse dos recursos do fundo. Um destes requisitos para liberação dos recursos é de que o novo estatuto seja, antes, registrado em cartório. Conforme AMANHÃ apurou, nos bastidores já é dada como certo que a Uvibra fará a gestão do Fundovitis nos próximos anos e, segundo uma fonte, “dará um jeito de não perder mais esse recurso por muito tempo”. Um prognóstico que sinaliza como certa a extinção do Ibravin.
Os novos gestores também tratarão de rever um dos pilares do Ibravin: a defesa do vinho brasileiro. A partir de agora, a promoção será totalmente voltada ao vinho produzido no Rio Grande do Sul – e não mais para a produção em outros estados, como Santa Catarina ou São Paulo. O principal argumento da Uvibra, que congrega as vinícolas gaúchas, é de que o imposto originador do Fundovitis sai do caixa das empresas sediadas no Rio Grande do Sul e, por isso, é a bebida produzida no estado que deve ser promovida. “Eles também não devem ficar com nenhum funcionário atual do Ibravin. Talvez permaneçam quatro ou cinco, mas tudo está andando para que seja constituída uma nova estrutura organizacional que dê projeção ao vinho gaúcho. A nova diretoria também já sabe para onde direcionar o recurso milionário do Fundovitis. Por isso tudo, muito em breve, talvez nos próximos dias, já deve surgir um forte levante de instituições e cooperativas contra a gestão unilateral da Uvibra. As desavenças podem enveredar o campo da Justiça, inclusive”, revela uma fonte.
A mobilização que surge na esteira da agonia do Ibravin é, de fato, intensa. Na tarde de segunda-feira (26), AMANHÃ recebeu a informação de que a Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) estaria entrando na disputa, assim como outras entidades. Oficialmente, porém, não há nada neste sentido. Jones Valduga, presidente da Aprovale, contestou a informação. “Quem deve gerir os fundos, na minha opinião, são as entidades de classe. Nós, da Aprovale, somos apenas uma parte. As grande entidades como Fecovinho e Uvibra é que devem gerenciar”, respondeu Valduga, por meio de mensagem eletrônica.
A movimentação e os rumores que ganham corpo no setor desagradam Deunir Argenta, presidente da Uvibra. “A nova entidade nem mesmo foi concretizada e já se ouvem críticas. Não sei a razão da existência delas. Não sei o que pode estar acontecendo. Infelizmente, o setor vinícola é repleto de ciúmes e as pessoas que não conseguem fazer as coisas acontecerem simplesmente criticam, ao invés de optarem por uma forma concreta de construir conjuntamente”, afirmou, enfático. “Quem administrará o fundo será um conselho formado por sindicato, cooperativa e indústria. Cada um terá voto com pesos iguais. Vou ser muito democrático na minha gestão que se encerrará no final deste ano. As coisas serão muito transparentes. Se alguém criticar, por tabela, estará criticando a si próprio”, esclareceu.
Será difícil deter as articulações e controvérsias que, pública ou reservadamente, cercam o processo de construção de uma alternativa ao Ibravin. Um importante interlocutor da cadeia do vinho, ouvido por AMANHÃ, disse estar em dúvida sobre o cenário de uma nova gestão liderada pela Uvibra. “É um valor muito grande para que possa ser investido de modo errado – ou mesmo perdê-lo de forma incompetente. Para muitos, foi isso que se tornou o Ibravin ao longo do tempo”, alerta. “Me preocupa o futuro, pois as vinícolas, em geral, não sabem lidar com grandes investimentos de marca e nem possuem planejamentos sólidos. E mais do que isso: todo mundo está brigando por querer gerir um fundo, fato que ajuda a desunir ainda mais um setor que não é de todo organizado”, revela um especialista em marketing da área vinícola.
Como o termo de fomento entre a Secretaria de Agricultura e a Uvibra deve ser assinado apenas no final de agosto ou começo de setembro, a entidade terá apenas cerca de três meses para aplicar toda a verba. Caso o convênio não seja assinado em tempo viável, o caminho natural é que os cerca de R$ 24 milhões (50% direcionada para o setor, por meio do Fudnovitis,e 50% usado pelo governo na burocracia de manutenção do fundo) voltem aos cofres públicos. Há quem até mesmo cogite que, na hipótese de não haver um consenso entre as entidades para que apenas uma faça a gestão, o governo do estado apresente um projeto de lei extinguindo o fundo. Porém, na visão de Covatti Filho, titular da pasta de Agricultura, essa saída está totalmente descartada, e o setor precisa chegar a um consenso com a maior velocidade possível, pois os recursos não estão no caixa único do estado. “Quem deve decidir é o setor. Não tenho ingerência sobre isso e nem posso opinar que seja feito por A ou B. Lembro, porém, que se mais de uma entidade se candidatar a gerir o Fundovitis, o governo terá de fazer uma licitação”, alerta o secretário.
Argenta adiantou ao blog Cepas & Cifras que um dos objetivos dos recursos será a aplicação em uma robusta campanha de marketing, já que o segmento não promoveu ações durante todo o ano. “Tudo terá de andar rapidamente, pois teremos de formar um grupo de trabalho para analisarmos onde devemos aportar o valor até dezembro. Muito provavelmente boa parte da verba será direcionada para propaganda, pois precisamos ter um consumo maior da bebida. Esse mesmo grupo também já procurará pensar ações para 2020”, antecipa. Argenta também confirmou que as futuras ações devem mirar os vinhos com origem no Rio Grande do Sul, estado responsável por 90% da produção no país. “É algo lógico, pois o Fundovitis é formado por recursos recolhidos de indústrias gaúchas. E podemos falar do vinho brasileiro nos utilizando do vinho gaúcho. De forma alguma vamos desprezar os vinhos produzidos fora [do Rio Grande do Sul]. Tomaremos o cuidado de olhar o vinho brasileiro como um todo”, garante.
“Essa seria uma oportunidade única para criar uma instituição do zero, dar forma para um conceito novo [de trabalhar o mercado vinícola do ponto de vista do marketing], enfim, trabalhar em prol do vinho de forma consistente para colher resultados duradouros. Porém, não acontecerá dessa forma. Estou pessimista, pois quando a nova gestão tomar conta dos recursos do Fundovitis, não vai querer largar mais – justamente a crítica que era feita ao Ibravin nesse ponto específico”, analisa um importante diretor de uma associação ligada à cadeia vitivinícola. “É uma lástima que o setor esteja passando por esta situação depois de tantos anos de construção de um trabalho tão importante, tanto em questão de imagem para o vinho brasileiro, como de ordenamento da cadeia e desenvolvimento setorial. Entre erros e acertos, o saldo continua sendo muito positivo”, considera um dos quadros do Ibravin, que prefere ter sua identidade preservada.
Ele cita, por exemplo, que nos últimos dois anos o Instituto conquistou o Simples Nacional para as vinícolas, trabalhou no reposicionamento de marcas que deu origem à premiada campanha publicitária "Seu Vinho, Suas Regras", desenvolveu o enoturismo e acessou novos mercados – tanto internos, quanto externos. “Há anos captamos recursos para desenvolvimento de grandes projetos, tanto com a Apex, quanto com o Sebrae Nacional. Nesses projetos somos auditados da forma mais rigorosa possível e nunca precisamos devolver um centavo a nenhuma das entidades. Inclusive, o Ibravin é exemplo de parceiro e modelo para muitos outros fundos. Basta questionar gestores dessas entidades para saber quanto o Ibravin é respeitado dentro delas. E a cada três meses o Ibravin recebe auditoria externa, por iniciativa própria. O que nos deixa desconfortáveis é que alguns detalhes passam despercebidos quando apontam o Ibravin como o problema de toda esta situação”, desabafa o funcionário, que ainda não sabe se permanecerá em sua atual posição.
Um dos exemplos de iniciativas do Ibravin são estudos técnicos liderados pelo Laboratório de Referência Enológica (Laren). Um deles – que ainda não veio ao conhecimento público, mas ao qual AMANHÃ teve acesso – alerta para a diminuição da gradação alcoólica e, por consequência, aumento de água na composição dos vinhos chilenos, país que representa quase metade (46%) nas importações brasileiras da bebida. “Uma garrafa de vinho chileno pode ter 7% do volume total de água. Essa prática já é adotada há anos pelos chilenos, porém só veio à tona no ano passado”, explica uma enóloga que conhece o tema. O Ministério da Agricultura (Mapa) já teria questionado as autoridades chilenas. O estudo não se tornou público pelo fato de, ainda, necessitar de validações legais no Mapa.
De acordo com informações obtidas por AMANHÃ, a nova composição da entidade que vai gerar o Fundovitis deve contar com sete funcionários (hoje são cerca de 23). Três técnicos do Laren deverão permanecer, além de um profissional da área administrativa, um do setor de estatística e dois no marketing – um para promoção interna e outra para promoção externa. “Aqui no Ibravin não sabemos de nada. Mas pelo que ouvimos no corredor, essa deverá ser a nova composição. Mas, é claro, pode ser que nada disso se confirme”, revela um quadro do Instituto. “O Laren sempre foi de interesse do Palácio Piratini, pois desempenha um papel que o governo estadual não tem capacidade técnica de absorver. O laboratório tem sido a principal moeda de troca nessa negociação com o governo”, revela uma fonte ligada ao Ibravin. Argenta, da Uvibra, confirmou que os trabalhos técnicos feitos pelo laboratório continuarão. “Sempre avalizaremos pesquisas que vem ao encontro do setor. Não fecharemos as portas. Tudo será analisado. Faremos uma política ligada à vitivinicultura, ligada ao vinho e à uva, ao produtor e ao industrial. Não será nada pessoal ou partidário. Devido ao momento mais delicado que estamos vivendo, faremos menos ações, mas bem mais direcionadas para todos os produtos da cadeia para atingir nossos objetivos. Entretanto, não temos nada de concreto ainda, pois prefiro ser muito cauteloso em virtude do que poderá acontecer futuramente [na gestão]”, detalha.
Um dos colaboradores do Ibravin também questiona o fato de a secretaria de Agricultura não ter auditado as contas do Instituto por seis anos – e mesmo assim os convênios anteriores terem sido renovados. “Ou não havia irregularidades ou a secretaria foi irresponsável com o recurso público, assinando ano após ano convênios sem revisar processos. Ou seja, os gestores públicos não fizeram sua parte e, agora, para todos, o Ibravin é que parece estar irregular há tantos anos”, desabafa. “Se os demais secretários anteriores assinavam os convênios, porque agora este não quer assinar? A dúvida é se isso tem relação com o Ibravin encabeçar a luta contra a utilização do 2-4D”, questiona a fonte.
O agroquímico 2,4-D é aplicado no pré-plantio de lavouras de soja, justamente no período de floração das uvas viníferas e híbridas americanas. O Ibravin projetou prejuízos na ordem de R$ 94 milhões com redução de 32% da colheita da uva nesta safra. Levantamentos foram enviados ao Ministério Público Estadual (MP). Para chegar nesse valor, o Ibravin reuniu informações de 62 vitivinicultores de diferentes regiões do Rio Grande do Sul. O relatório revela prejuízos em 241 hectares, que resultaram em 1 milhão de toneladas a menos do que em safras consideradas normais. Já a Associação dos Produtores de Soja do Estado (Aprosoja) alega que a opção pelo 2,4-D não é só econômica. Segundo a entidade, é o composto mais eficiente de combate a ervas-daninhas. Sojicultores entendem que a má aplicação do produto causa o problema, o que poderia ser solucionado com a ampliação do programa de qualificação técnica Deriva Zero, cujo objetivo é treinar agricultores para o correto uso do herbicida. Em julho, representantes do setor vitivinícola se reuniram com o governo do estado para chegar a um acordo.
Covatti Filho rebateu a crítica levantada pelo funcionário do Ibravin de que as contas não foram aprovadas por causa da campanha do instituto contra o defensivo 2,4-D. “Essa relação é totalmente equivocada. Não há razão para esse questionamento vindo de uma entidade que está no Cadin [Cadastro Informativo das Pendências perante Órgãos e Entidades da Administração Estadual], fato que a impossibilita de receber qualquer recurso público”, argumenta. “Meu futuro político a Deus pertence e ao povo que decide. Se não apoiasse o setor, não faria esforço pelo fim da Substituição Tributária (ST) no Rio Grande do Sul. Sou gestor da pasta de agricultura e sou responsável pela liberação de recursos públicos. Como há irregularidades no Ibravin e que foram apontadas pelo TCE-RS, não posso fazer nenhum gesto que atinja a gestão do governo”, salienta.
Covatti Filho desagradou empresários do setor por ter iniciado uma série sobre vinhos no seu Stories, do Instagram, justamente por um Malbec produzido na Argentina, em Mendoza. Porém, no dia seguinte, o titular da pasta da Agricultura no Rio Grande do Sul postou um vídeo onde bebericava um autêntico vinho do Sul: o Lote 43, emblemático rótulo da Miolo, que leva o nome da única parcela de terra de 24 hectares que a família possuía ao chegar ao Brasil, onde também colheu as uvas para a primeira produção dos vinhos da empresa. “O Lote 43 recebi de presente do Adriano Miolo quando do anúncio do fim da ST”, recorda Covatti Filho. “Não serei demagogo, pois sou um apreciador de vinhos e tomo todos os estilos, independentemente do país ou estado de origem. Se tiver uma garrafa de cerveja e uma de vinho na mesa, opto sempre pelo vinho”, garante. “Sempre incentivamos o vinho gaúcho. Tanto é verdade que aqui na Expointer todos os órgãos de governo estão servindo a bebida produzida no estado”, conta.
Ainda em relação ao clima no Ibravin, um dos colaboradores revelou que o sentimento é de total instabilidade. “E também de tristeza vendo tanta injustiça com pessoas que estão há anos dedicando tempo e saúde em prol de um setor, por muitas vezes, ingrato. Mas estamos bem tranquilos em relação ao trabalho que desenvolvemos ao longo dos anos, pois sabemos que fizemos o melhor, sempre de forma transparente e pensando sempre no coletivo. Desejamos que essa situação se resolva muito em breve, a fim de minimizar o prejuízo para o setor que diariamente entra em contato com o Ibravin em busca dos projetos e serviços que oferecíamos”, confidencia o funcionário. Segundo AMANHÃ apurou, o Instituto teria contratado um advogado para acompanhar todo o trâmite legal ao longo dos possíveis dois anos que a entidade ficará inativa. Ao final desse período, o Ibravin voltaria a gerenciar o Fundovitis. Porém, pelo que se pode ver ao longo desta reportagem, o setor parece ainda não compartilhar essa mesma expectativa.
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