Sobre convicções e escolhas
O nó fiscal está cada vez mais visível, como verificado pelo Projeto deLei Orçamentária que prevê déficit de 0,5% do PIB (R$ 30 bilhões) em 2016. Explicitaro rombo envolve riscos, como a piora da confiança dos agentes econômicos nacapacidade de ajuste do governo. Ainda assim, como “não é possível enganar atodos o tempo todo”, pois os agentes econômicos ajustam suas expectativas, oefeito final da maior transparência é certamente positivo. Reconhecer oproblema é o primeiro passo para negociar politicamente e democraticamentesoluções e, assim, desatar o nó.
Apresentar o déficit não deixa de ser um chamado ao Congresso para apoiarmedidas de ajuste, evitando o que ocorreu com a MP 664 (que visou restringir oacesso a pensão por morte e auxílio-doença), que não só foi aprovada pelametade, como também relaxou o fator previdenciário (reduzia o custo daprevidência com aposentadorias precoces). Além disso, pode desestimular achamada “pauta-bomba”, cujo exemplo mais recente foi a aprovação pela Câmara doSupersimples, que, segundo a Receita, poderá implicar renúncia tributária de R$11 bilhões.
Mas há muito a se avançar em termos de transparência e comunicação. Aindaque se somem constrangimentos políticos para explicitar a herança nefasta doprimeiro mandato, a coordenação de expectativas feita pela autoridade fiscalpeca. Afinal, foi no final de julho que o governo enviou ao Congresso projetode lei de alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias, reduzindo a meta fiscalde 2016 de 2% para 0,7% do PIB. Também ficaram dúvidas quanto ao anúncio de déficitde R$ 30 bilhões, pois a imprensa já havia noticiado que o rombo seria de R$ 80bilhões. É muita mudança em pouco tempo, e com pouca explicação das razões paraisso. Estaria ocorrendo uma mudança de estratégia?
O jogo ainda está sendo jogado. O governo sinaliza com medidas paracortes de despesas estruturais. Mas não há nada concreto. Cabe ao Executivo, enão ao Legislativo, liderar a agenda de ajuste fiscal, assumindo seu custopolítico. Nessa luta contra o tempo, o governo está bastante atrasado,ameaçando a solvência da dívida.
Mas antes de discutir a dívida, é importante primeiro avaliar se o cortede gastos realizado será pelo menos suficiente para equilibrar a economia nocurto prazo, de forma a levar a inflação mais rapidamente para a meta. Assim , oBanco Central não é forçado a subir juros ou mantê-lo elevado por muito tempo. Seo ajuste fiscal sequer for suficiente para promover a necessária “arrumação” namacroeconomia e a volta cíclica do crescimento, teremos o ônus do ajuste, masnão o bônus. Assim, a discussão de solvência ganhará contornos mais severos. Ouseja, o curto prazo pode nos condenar.
A visão de que o ajuste fiscal poderia rapidamente impulsionar aconfiança dos empresários e, assim, reativar a economia chega a ser pueril.Ninguém gosta de ajuste fiscal, muito menos apoiado em aumento de tributação. Amelhora da confiança viria pelo benefício do ajuste sobre o crescimento. E isso,mesmo quando o ajuste é bem conduzido, leva tempo. É necessário perseverança.
Há chances de o ajuste fiscal deste ano ajudar na queda da inflação,mais de 2016 do que de 2015, já que há uma defasagem temporal entre corte dedespesas e queda da inflação (em torno de 3 trimestres, pela minha estimativa;o BC estima que o efeito máximo do ajuste fiscal sobre a inflação se dá nooitavo trimestre). Apesar do provável déficit primário este ano, talvez nãomuito distante do observado em 2014 (0,6% do PIB), o impulso fiscal deverá sernegativo. Há duas razões para isso. A primeira é que parte importante doprovável déficit este ano decorre da queda de arrecadação, por conta não demedidas de alívio tributário que poderiam estimular a demanda, mas de criseeconômica que afeta a receita e a situação financeira das empresas, tal que a sensibilidadeda arrecadação à retração da atividade econômica é ainda maior que o padrãohistórico.
A outra razão é que parte do aumento de despesas reflete pagamento decompromissos passados, cujo impacto na demanda já ocorreu. É o caso depagamento das chamadas “pedaladas”, que teriam acumulado R$ 40 bilhões até2014. Nos últimos anos, o governoatrasou repasses de recursos aos bancos públicos que são responsáveis pelatransferência de recursos de políticas públicas, como subsídios de programashabitacionais, políticas sociais e crédito agrícola. O impulso à demanda de fato já ocorreu. O pagamento feitopelo Tesouro este ano apenas equilibra o balanço dos bancos públicos. Uma evidênciado pagamento das “pedaladas” é o crescimento da conta de subsídios esubvenções, que aumentou R$ 13 bilhões até julho em relação ao mesmo período de2014.
Outro elemento é o pagamento de “restos a pagar”, que acumulou 4,1% doPIB em 2014. Segundo a imprensa, 73% de gastos com investimento até julho forampara pagar a dívida de anos anteriores, o que totalizaria R$ 23 bilhões. Enfim,fazendo os devidos ajustes, é possível que o impulso fiscal tenha saído de algocomo +2% do PIB em 2014 para -0,5% neste ano. No entanto, ainda não há comoavaliar se o esforço será suficiente para proporcionar o cumprimento da meta deinflação e a volta cíclica do crescimento de forma segura – o que seria umimportante elemento para dar fôlego ao ajuste fiscal, ao reduzir a tensãopolítica e assim afastar o risco de solvência. Além disso, é importante que oesforço fiscal não acabe neste ano.
O desafio para 2016 é maior que o de 2015, por conta do crescimentoinercial de gastos obrigatórios (em torno de 0,15% do PIB por ano desde 2011),adicionalmente inflados pelo ajuste do salário mínimo de quase 10% e o fim dagordura para corte nos gastos discricionários (recuo de 0,7% do PIB em 2015,segundo o governo). Muito pouco avançou no corte estrutural de despesas. Oscortes realizados em 2015 foram os mais fáceis, tanto tecnicamente comopoliticamente. O debate político sobre oajuste fiscal não parece suficientemente maduro dentro do governo. Ainda háincompreensão de que a política fiscal colapsou e que atenuar o ajuste fiscalseria contraproducente e perigoso. A convicção do governo está sendotestada. Se o ajuste fiscal não for suficiente, a economia ficará maisvulnerável a crises agudas e o ajuste da economia será feito pelo mercado. Portanto,mais doloroso e mais longo. Escolha nossa.
*Economista-chefe XP Investimentos
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