O perigoso esporte de brigar
Um dia recebi um e-mail de advertência de meu irmão que ainda hoje tenho guardado em algum lugar. Nele, ele me advertia a respeito de envolver-me em brigas e fazer inimizades. "Tenho a impressão de que você faz muitos inimigos sem necessidade. Se isso é uma determinante astrológica dos arianos, trate de combatê-la. As pessoas nasceram para a concórdia, e a discórdia deveria ser exceção. Antes do conflito, convém avaliar se não é melhor passar ao largo e evitar aquela pessoa. Afinal, todos têm direito a opiniões divergentes das suas. Um desafeto não é apenas um. Ele é o propagador natural de depoimentos contra você. Os vasos se intercomunicam e a fama de ser uma pessoa difícil pode ser prejudicial em todos os campos da vida. Pense nisso." O e-mail já data de 15 anos, mas, sob certos aspectos, continua atualíssimo. Não sei se segui os conselhos à risca, mas tanto levei a sério que não deletei. Menos mal que minhas desavenças e querelas só podem mesmo prejudicar a mim, se tanto.
E o que dizer quando elas atingem e lesam o interesse de um país como um todo?
Digo isso porque hoje cumprimos aproximadamente 240 dias de mandato de Bolsonaro e ele já conseguiu criar arestas com 12 países, o que dá uma média temerária de um desafeto a cada 20 dias. Ou bem o Itamaraty está em polvorosa, o que não é incomum, pois costuma se desesperar até por questões menores, ou já entregou os pontos. Nesse contexto, antes que nos tornemos párias sem saber por quais razões, atribuindo ao mundo um viés conspiratório contra nossa soberania, atentemos para três agendas que são particularmente sensíveis aos humores presidenciais. É por esses corredores que pode vir a friagem que nos prostrará com uma pneumonia. São elas a ambiental, a diplomática e a ideológica.
Só na área puramente ambiental, já nos desentendemos com cinco países diferentes. Justin Trudeau, do Canadá, foi dos primeiros a estrilar. Foi nele que pensei ao ler no Estadão de hoje a matéria "A Amazônia não é só nossa...", de Flávio Tavares. Com a Noruega e Dinamarca, Bolsonaro saiu-se da pior forma possível que é quando se misturam destempero e despreparo. Para retaliar o congelamento dos repasses do Fundo Amazônia, meteu-se num bate-boca sobre a caça à baleia que trouxe, inoportunamente, o vermelho do sangue ao verde das matas. A vizinha deles, a Finlândia, ameaçou não comprar mais carne do Brasil. É claro que não vamos morrer se 5 milhões de finlandeses deixarem de comer picanha em favor de guisados de rena e alce. Mas se a onda se alastrar e tomar conta da Europa toda? Por fim, a Colômbia também acusou o golpe mesmo porque ela também tem uma área amazônica, o que levou o presidente Iván Duque a querer ganhar pontos juntos aos europeus. É claro que arestas ambientais já nos colocaram na alça de mira da França e da Alemanha, países com os quais conseguimos contenciosos talvez mais graves, que são os diplomáticos-ideológicos.
Ora, nesse quesito, lá foram o presidente e o chanceler tentar etiquetar e rebatizar o nazismo, o maior tabu que pesa sobre Berlim. As bizarras e inúteis definições de que o nacional-socialismo de Hitler era de filiação dita esquerdista, teve o mesmo efeito político que mexer em vespeiro. O mesmo se aplica às loas periódicas à mescla de sicário e ladrão que foi Pinochet, independentemente do desastre que possa ter sido o período Allende. O caldo entornou de vez quando ele fez a apologia da ditadura no Chile às expensas da vida do pai da ex-presidente Bachelet, ela própria torturada naquela época sombria. Na Argentina, o Brasil bolsonarista parece ter assumido um lado nas próximas eleições presidenciais, e, ao que tudo indica, vai perder a aposta. Onde já se viu um país declarar preferidos em campanhas políticas nos vizinhos? Na linha diplomática, criou-se um raro consenso nos Países Árabes quando anunciamos a mudança da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, um ato cosmético que expôs nossas exportações de proteína animal a retaliações que, caso se materializassem, criariam enorme problema a nosso agronegócio.
Com a França, a escalada parece não ter fim. Começou de fato com a esnobada que Bolsonaro deu no ministro Jean-Yves Le Drian, e até agora sequer a simpática Madame Macron teve trégua, visto que o ministro Paulo Guedes houve por bem desviar-se de seus nobres propósitos e sensível missão para falar dos atributos físicos da professora. Vê-se o quão nefasto é o efeito contágio. Ainda na área diplomática, não foi nenhum show de habilidade dizer que os médicos de Cuba que estavam aqui integravam "núcleos de guerrilha do PT", o que é uma leviandade.
Nesse contexto, um ano depois do lamentável atentado que sofreu em Juiz de Fora, há os que atribuem o destempero, a paranoia, a belicosidade, a agressividade e o narcisismo do presidente ao chamado TEPT, sigla de Trastorno de Estresse Pós-Traumático. Acho que tem tudo a ver uma coisa com a outra. Mas, como todo mundo, pergunto: até quando? Nessa progressão, dentro de um ano teremos somado à lista dos 12 pelo menos mais umas 18 nações. Nessa pisada, seremos um país pária sob a tutela de Trump, enquanto ele durar. Assim não dá. Brigas são inevitáveis, mas recomenda-se que se comprem só as boas.
Agora pensei: vale a pena mandar para Bolsonaro a carta de meu irmão?
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