Nuvens da política

Falar sobre a volatilidade do panorama político brasileiro já não é nenhuma novidade. Não bastassem as surpresas que decorrem de ações policiais, atingindo nomes encastelados nos três poderes, a dinâmica básica desses exercícios reza que o cenário se...
Nuvens da política

Falar sobre a volatilidade do panorama político brasileiro já não é nenhuma novidade. Não bastassem as surpresas que decorrem de ações policiais, atingindo nomes encastelados nos três poderes, a dinâmica básica desses exercícios reza que o cenário seja escrutinado segundo as expectativas que se formam. O fortalecimento ou a execração de um nome pode, mais cedo ou mais tarde, presidir as decisões que serão tomadas por segmentos inteiros da economia, o grande barômetro a calibrar os rumos do tempo. Assim sendo, mudanças ministeriais bruscas podem dar margem a especulações que aumentam o clima de incerteza.  

Mas isso não se cinge só ao Brasil. Vejo aqui na França, de dezembro para cá, uma deterioração inaudita do nome de François Fillon como candidato da direta às eleições presidenciais desse ano. Depois de derrotar nas prévias nomes consolidados como Nicolas Sarkozy e Alain Juppé, eis que sua viabilidade eleitoral está profundamente abalada nos alicerces. Ora, o homem tido como incorruptível e acima de toda suspeita, deixou que a esposa, galesa de nascimento, recebesse proventos de centenas de milhares de euros sem quaisquer contrapartidas aparentes de trabalho. Isso mudou o panorama eleitoral.

Se ainda há um temor consolidado de que Marine Le Pen, da extrema direita, possa surfar os bons ventos do populismo demagógico na cola da proposta que Trump fez ao eleitorado americano, parecia a muitos, pelo menos até a semana passada, que a postulação do jovem Macron – 39 anos e ex-diretor do Banco Rothschild – poderia ser um poderoso antídoto contra o que a esquerda considera uma catástrofe. Mas eis que o brilhante quadro trocou os pés pelas mãos e, numa visita à Argélia, falou da colonização como um "crime contra humanidade", o que mexeu em traumas profundos e enraizados, custando posições de largada. 

Para que se tenha uma ideia da amplitude dessas mudanças, basta dizer que o mundo das finanças observa com muita atenção quem ocupará o Elysée a partir de maio. Com o virtual esvaziamento de Londres como capital financeira europeia, função da desconcertante opção Brexit, é para Paris que se voltam os olhos de bancos, corretoras e seguradoras como domicílio futuro. Mas isso não ocorrerá se o governo resvalar para as mãos de Hamon, da esquerda, ou da aludida Le Pen. Macron e Fillon são, portanto, um esteio de referência para a ancoragem de transações bilionárias ao dia. Mas uma escorregada, uma só, pode comprometer tudo. 

Certo mesmo é que a instabilidade varre os cenários mais varados. E a tensão eleitoral não poupa sequer países pequenos, como é o caso do Equador. Da mesma forma que o equilíbrio de forças no futebol desencadeia uma enxurrada de gols marcados na prorrogação, é também certo que as redes sociais polarizam a tal ponto as forças eleitorais que, à mercê de coalizões, parece que fica cada vez mais difícil que uma prevaleça cabalmente sobre outra. Daí certo imobilismo. Foi o caso da Bélgica e da Espanha em tempos recentes. Entender as forças que regem a política é, portanto, atributo de tida liderança digna do nome. 

Nesse contexto, é desconcertante o que volta a ocorrer no Brasil. Se em parte é certo que a equipe econômica se sai bem em seu papel e que se impõe como nunca alguma estabilidade institucional para que possamos fazer com sucesso a travessia até 2018, está fora de qualquer dúvida que o pós-Carnaval prenuncia trovoadas nos céus do Planalto, o que nos remete aos últimos dias do governo Collor. Naquela época, o ministro Marcílio Marques Moreira tocava o barco da economia logrando sucessos discretos enquanto no Planalto o barco fazia água a olhos vistos. Mas a lógica política pode ser tremendamente aleatória.  

Nesse ponto, como não poderia deixar de ser, o acaso também urde suas artes. Com a morte inesperada do ministro Teori Zavaski, foi dada a senha para uma rearrumação de cenário brusca. O que nos remeteu, semanas mais tarde, a um novo titular da Justiça e outro nome no STF. Como a imponderabilidade grassa livremente, movimentações individuais podem tirar do governo a densidade de proposta. Nesse quadro se insere o pedido de demissão do ministro Serra do Itamaraty, de todo inesperado. Vamos ver como o Brasil começará a semana pós-Carnaval. Mas há de se reconhecer que os sinais estão de novo truncados.   

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Sexta, 13 Dezembro 2024

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