Filme queimado
A Amazônia é uma caixa-preta aqui e lá fora. Aqui no Brasil porque quase ninguém se dá conta do que ela de fato é. Nenhuma região é tão pouco apreendida em suas dimensões múltiplas quanto a imensidão da selva. Mesmo os brasileiros cultos perdem o rebolado na hora de discorrer por mais de cinco minutos sobre ela. Falarão do ciclo da borracha, da famigerada Zona Franca, do teatro de Manaus e de meia dúzia de indigenistas de notoriedade justamente porque se debruçaram sobre o que a ninguém mais interessa.
Quanto aos demais povos, estes pouco mais sabem a respeito dela do que nós mesmos, salvo que é o "pulmão do mundo". Veem mais longe os pragmáticos que espicham o olho para o potencial de nossa madeira e para a biodiversidade como fonte supridora de fármacos. No mais, imaginam macacos agarrados em cipós, araras estridentes e populações indígenas que ainda reagem com estupor quando um avião deixa um rastro de ar condensado a dez mil metros de suas cabeças. Enfim, ninguém conhece bem a Amazônia.
O que se sabe sim de boa fonte é que de um lado, há ONGs oportunistas que fazem a ronda das captações polpudas para financiar a vida de seus dirigentes em primeiro lugar, e o resto depois. Isso foi dito pelo ex-ministro Aldo Rebelo, do PC do B, insuspeito de simpatias bolosnaristas. Da mesma voz, veio a advertência de que o Congresso norte-americano sonha em refrear o potencial de nosso agronegócio, e que a questão em pauta é um pretexto único para que o façam. Europeus, por razões apenas um pouco diferentes, também gostam da ideia de nos impor barreiras.
Quaisquer que sejam as motivações dos atores do cenário, é pouco inteligente da parte de Brasília esnobar as reações que os incêndios têm provocado em Berlim, Oslo e Paris, no que promete ser uma escalada sem precedentes na nossa história recente. Tudo o que não podemos é nos tornar um país pária, e se há uma questão em que nem Trump pode ajudar seu patético colega brasileiro, é no tema sensível do meio ambiente em escala planetária. Assim sendo, para manter a claque unida, Bolsonaro responde abusadamente às imprecações que têm chegado de fora.
Está cada dia mais claro – a exemplo da música que fez sucesso na voz de Erasmo Carlos – que Bolsonaro só consegue manter soldado seu núcleo duro se também mantiver sua "fama de mau". Ora, eis uma situação potencialmente explosiva. Que não se brinque com fogo, sem trocadilho, porque somos anões militares e, por uma vez na vida, corremos risco sério de sermos usurpados daquilo que desconhecemos e não soubemos manter. No fundo, nunca saberemos de certos desígnios. A perda da Amazônia pode ser o primeiro feito do embaixador Bolsonaro em Washington.
Fugindo para a frente e continuando nossa marcha trôpega, podemos estar construindo uma unanimidade mundial contra nosso combalido país. E aí sim, saberemos o gosto amargo da lona que já experimentaram as nações párias. Com a diferença de não temos os trunfos do Irã, de Taiwan, de Israel, da Coréia do Norte ou da África do Sul. Todo cuidado é pouco. É hora de deixar agir os profissionais. Alguém precisa convencer o presidente de que calado ele funciona melhor. E que Paulo Guedes dê uma prova de temperança antes que o contágio do verbo irresponsável piore o que já está ruim.
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