Dicionário do Nordeste

Semana passada comemorou-se o Dia da Língua Portuguesa. Como estive em Portugal durante os dias que antecederam as celebrações, pude acompanhar o vigor da data e o quanto a lusofonia está em alta mundo afora. Já não somos primos bastardos do castelha...
Dicionário do Nordeste

Semana passada comemorou-se o Dia da Língua Portuguesa. Como estive em Portugal durante os dias que antecederam as celebrações, pude acompanhar o vigor da data e o quanto a lusofonia está em alta mundo afora. Já não somos primos bastardos do castelhano, e isso não é pouca coisa. Se até anos atrás, o efêmero prestígio do Brasil no cenário internacional catapultou o aprendizado de nosso idioma em países remotos, o derretimento de nossa imagem de marca não arrefeceu o poder de sedução do português, hoje falado por um quarto de bilhão de pessoas. 

A explicação reside talvez no efeito gangorra das reputações. Se Brasília virou uma espécie de chacota internacional de uns anos para cá, Lisboa tem assomado como uma das capitais mais prestigiosas e queridas do mundo. Tal como acontecia com Paris no passado, cada um se arvora de cultivar a sua Lisboa, o seu pedacinho, e de lá entreter seus caprichos e preferências, quando não uma segunda residência. A isso chamamos "soft power" e oxalá não percamos o embalo porque deles se beneficia nossa literatura, nosso turismo e, como não, os negócios.

Nesse contexto, embora não possamos almejar que o português venha a ser uma língua franca como foi o latim, ou como se tornou o inglês dos dias de hoje, há de se reconhecer que se trata de um idioma poroso, inquieto, melodioso e eivado de influências inerentes à longa viagem dos navegadores lusos. Pensando bem, não poderia ser muito diferente na medida em que tivemos feitorias na costa africana, na Índia, na China, no Japão e até em Timor fomos ressoar, como se quiséssemos marcar uma posição na ilhota onde o mundo acaba. 

Mas, para mim, as verdades mais intrigantes sobre um tema dessa transcendência e riqueza podem ter crescido à sombra de um jambeiro num colégio recifense nos anos 1970. Pois foi ali que conheci o jornalista e dicionarista Fred Navarro, autor do delicioso "Dicionário do Nordeste", fruto de uma pesquisa de décadas, a que consagrou o melhor de seus dias, de sua energia, vigor intelectual e disciplina. Conheci-o há quase 50 anos no Colégio de Aplicação da UFPE e passamos décadas sem nos ver. Mas à distância, sempre soube do projeto vitorioso de Fred que foi crescendo segundo uma lógica cumulativa. Até que recebi um dicionário em mãos e já não viajo sem ele. À cabeceira, ele me garante legitimidade de pertencimento e ampla visitação à mitologia adolescente.

Assim sendo, passa da hora de se lançar mundialmente o "Dicionário do Nordeste", com seus 10 mil verbetes, para que a lusofonia como um todo tenha acesso a esse enorme tesouro subjacente à nossa língua. Se dependesse de minha vontade, haveria um exemplar dessa preciosidade em todas as bibliotecas públicas do Brasil e do que os portugueses chamavam de além-mar. Estudantes, tradutores, escritores, pesquisadores, historiadores e filólogos de todas as vertentes e idiomas, haveriam de se regozijar com um exemplar deste em mãos e, para sempre, como aconteceu comigo, na cabeceira. 

O autor, Fred Navarro, estuda propostas e, assim como a língua portuguesa, está aberto ao mundo. Que as boas editoras lisboetas se habilitem, pois o sucesso é garantido e é indizível o grande serviço que estariam prestando à extensão de nossa identidade cultural. 

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Segunda, 20 Mai 2024

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