Buraco negro e Previdência
Há anos eu não passava tanto tempo consecutivo num lugar só. Pelas minhas contas, estou próximo de completar um mês inteiro aqui em São Paulo, depois de sucessivas temporadas europeias que começaram em agosto e se encadearam a um ritmo regular até o último regresso. Hoje é dia de viajar, mas vou voar para perto, dentro de nossas fronteiras, e por certo que o Nordeste não me dissociará da realidade brasileira, muito pelo contrário. A ênfase pode mudar, mas o país continua um só.
Fato mesmo é que nas últimas semanas mergulhei o mais fundo que pude em nossa agenda nacional e, talvez pela primeira vez desde as pautas críticas dos anos 1980 – anistia, redemocratização, eleições diretas etc –, vejo o Brasil siderado em torno de um tema: a Reforma da Previdência. Com quem quer que se fale, o tema emerge como um abracadabra. Se aprovada, podemos virar uma Espanha em 10 anos. Se rejeitada, uma Nigéria. Se mutilada, um Brasil brasileiro, bonito, mas manco, escorado na muleta surrada da esperança.
Daí meu temor de que o governo – ou seria melhor dizer Brasília, genericamente? –gaste seu escasso capital político com uma agenda inócua, voltada tão somente para alimentar a fornalha da militância e, assim fazendo, derrape nas curvas, perca a aderência no Congresso e termine por comprometer o mérito da mãe de todas as reformas. Se perdermos esse bonde, que já chega com atraso enorme devido à parada prolongada na estação Janot, estamos fritos. Seja como for, até os pessimistas admitem que a Reforma passa, apesar do governo (sic).
Nesse contexto, eis que semana passada a Reforma teve de dividir espaço com outro tema palpitante. Para muitos, ele é tão abstrato quanto ela: a fotografia do buraco negro, conseguida graças a um engenhoso esforço coordenado de telescópios espalhados pelo mundo. Se para a imensa maioria da humanidade pouco se depreenderá daquela imagem quase banal, salvo talvez por um frisson que não se explica, é certo que a Previdência é, para muitos de nós, uma caixa preta. É inverossímil para a maioria que ela possa ter um impacto tão grande em nossas vidas.
Para não me delongar, devo admitir que já não me interesso pela agenda dos países como era de praxe em tempos idos. Meu foco hoje é inteiramente outro. Mas se tivesse que comparar a tensão e a expectativa que nos traz a Reforma da Previdência com algum outro tema do mundo, diria que só o Brexit rivaliza com ela em magnitude. Se o futuro do Reino Unido, logo da Europa, está atrelado ao Brexit em seus diversos matizes, aqui se dá o mesmo. Sei que batalha da comunicação é hercúlea e oxalá o Congresso saiba captar a dimensão do momento.
Sim, o nó górdio é bem atado e de decodificação delicada. Estamos abraçados por uma jiboia cujo aperto nos faz sentir os ossos trincar. Tomara que nos safemos de mais esta. Sem a Reforma, parece que deixaremos de vez de ser o país do amanhã e amargaremos o resto do tempo no limbo.
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