As marcas do subdesenvolvimento

Na minha infância, lembro da história que contavam sobre um coronel brabo da região de Garanhuns, no Agreste pernambucano. Tendo ele muitos inimigos e sendo, por natureza, desconfiado da própria sombra, qual não foi a surpresa de meu pai ao chegar pa...
As marcas do subdesenvolvimento

Na minha infância, lembro da história que contavam sobre um coronel brabo da região de Garanhuns, no Agreste pernambucano. Tendo ele muitos inimigos e sendo, por natureza, desconfiado da própria sombra, qual não foi a surpresa de meu pai ao chegar para visitá-lo e ver que, na longa alameda que levava da cancela à casa grande, em toda árvore do caminho se escondia um capanga armado. Nas raras idas à cidade, só saía cercado de numeroso séquito, precaução esta que não livrou-o mais adiante de ser assassinado longe de seus domínios, quando achava que seus adversários o haviam esquecido. Por mais que ame meu torrão natal, não posso negar as digitais do subdesenvolvimento desta crônica dos anos 1960.

Ainda em Pernambuco, quem é de minha geração tem a lembrança nítida de um governador do Estado que só cruzava as ruas do Recife à bordo de um enorme carro embandeirado, dia e noite escoltado por batedores com sirenes estridentes. Pouco importava que passasse por portas de hospitais, escolas ou asilos. Importante era intimidar e dar sinais inequívocos de que era autoridade máxima e que temia a aproximação do povo. 

Mudando de ares, a imprensa do mundo noticiava com humor os passeios de bicicleta do Rei Olavo pelas ruas de Oslo, capital da riquíssima Noruega. Na vizinha Suécia, o Rei Gustavo Adolfo sempre passeou pelas ruas de Estocolmo e aceitou, humildemente, devolver uma mercadoria no caixa do supermercado por não ter levado uma peça de identidade que comprovasse quem era. Apesar de ser sua efígie que estava estampada na cédula de 100 coroas. Nada de gritos, portanto, nenhuma carteirada e muito menos intimidação. Quer eu queira, quer não, estas são marcas de desenvolvimento. 

Nesse contexto, na contramão do que se registra em algumas das principais capitais do mundo, onde os prefeitos saem para trabalhar de metrô, João Dória assinou na terça-feira um decreto que garante escolta armada aos ex-prefeitos de São Paulo por até um ano depois de estes terem deixado o cargo. Além de demonstrar escassa confiança em sua popularidade e legado, causa espécie que se crie mais uma conta para o contribuinte. E que se erija mais um muro entre a cidadania e os governantes municipais, o elo mais próximo do exercício da vida democrática. 

Muitos ficaram surpresos. Outros, não. Estou entre os últimos. Pensei que a tal vigilância seria exercida por iPhone. Não é assim que ele diz governar a cidade?    

Veja mais notícias sobre Brasil.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Sexta, 19 Abril 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://amanha.com.br/