As lágrimas salgadas de Leilane Neubarth

Sempre que posso, gosto de ver o telejornal apresentado por Leilane Neubarth. É difícil, pois os horários são ingratos. Mas quando acontece, como no período em que convalesci de um entorse complicado, não costumo perder. Minha apresentadora preferida...
As lágrimas salgadas de Leilane Neubarth

Sempre que posso, gosto de ver o telejornal apresentado por Leilane Neubarth. É difícil, pois os horários são ingratos. Mas quando acontece, como no período em que convalesci de um entorse complicado, não costumo perder. Minha apresentadora preferida passa a ideia de ser uma pessoa intensa, daí apaixonante. Sei pelo aspecto geral se ela está bem ou não. Muitas vezes, o cabelo ruivo chega a brilhar de tão bem tratado. Os olhos da cor de pequenos lagos alpinos emitem um fulgor que deve equivaler à luminosidade dos OVNIs – segundo quem os viu. De outras feitas, parece que ela chegou ao estúdio de afogadilho e instruiu a cabeleireira a fazer um coque de última hora. Como toda mulher mercurial, Leilane tem dias em que aparece muito, mas muito mal vestida. Engraçado, não deve ser mera coincidência, geralmente é às segundas-feiras. O que oferece um baita contraste com as sextas em que ela desfila uma elegância impecável, quase provinciana de tão apurada. Dia desses, nada se salvava: combinação das cores, os sapatos e os cabelos arrepiados. Mais parecia uma retirante ucraniana fugindo de um "pogrom" de cossacos. O bom é que o traje desnuda o estado de alma dela.

Vou além, porém. Tem ocasiões em que ela está para poucos amigos. Nos tempos que tinha o monocórdio Vidor ao lado, coitado, sentia-se que ora ela se apiedava dele, ora batia duro quando o colega abusava das platitudes: "Ah, como eu queria viver pelo menos um dia nesse Brasil imaginário que só o Vidor enxerga". Imagino as broncas que não deve ter levado da direção. Mas ela fica especialmente linda quando a emoção a arrebata. Quando um episódio isolado destrava dores represadas e abre as comportas da emoção em estado puro, apesar de contida. Dia desses o fenômeno foi observável a olho nu. A reportagem era com uma viúva que perdera o marido na tal ciclovia que despencou. A senhora falava sobre o quanto o falecido marido tivera uma vida feliz e o quanto lhe era reconfortante saber que viveram um amor de verdade. Certamente Leilane já tinha visto a edição. Mas aqui mora o encanto. Como faz uma atriz que reata com a dor a cada ensaio, a voz de prosódia coruscante ficou embargada; os olhos cintilaram; o nariz avermelhou e, então, sobreveio um silêncio. É uma paradinha que só ela sabe fazer. Então, limpa a garganta e vai em frente. Não raro, acrescenta um comentário antes de respirar fundo.

Ah, é nessas horas que me dá vontade de lhe enxugar as lágrimas furtivas e salgadas que transbordam pelos cantos dos dois laguinhos violeta. Se pudesse, entraria na tela e lhe diria que a vida continua, apesar de tanta crueldade. Foi o que tive vontade de fazer semana passada quando ela noticiou em pânico as tais escutas em que o presidente teria sido flagrado em tenebrosas tentações com um biltre. Como poderia ela ter tido isenção e recuo se até hoje as derrapadas da Procuradoria chocam pelo amadorismo processual? Calma, Leilane, calma. Se eu fosse seu marido, sugeriria que fossemos passar o fim de semana na Serra, num chalé de Itaipava, e que lá tomaríamos um Borgonha delicioso, ouvindo o crepitar da lareira. Puxaria de meu repertório histórias edificantes em que o amor triunfa e em que as pessoas superam as dores mais infames. Até que ela sorrisse e, de repente, me cravasse os olhos com uma expressão nova e ardente. Mas, geralmente, é nessa hora que desperto. E o sonho se evapora até renascer na próxima edição.

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Sexta, 22 Novembro 2024

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