A utopia possível

Empreendedores e executivos gostam de definir seus negócios como mais do que simplesmente vender mercadorias ou prestar serviços. O Airbnb, por exemplo, vê-se como “um movimento”, enquanto um restaurante de Porto Alegre fala em “redefinir o futuro da...
A utopia possível

Empreendedores e executivos gostam de definir seus negócios como mais do que simplesmente vender mercadorias ou prestar serviços. O Airbnb, por exemplo, vê-se como “um movimento”, enquanto um restaurante de Porto Alegre fala em “redefinir o futuro da alimentação”. Trata-se de uma peculiaridade dos negócios de nossa época, a de empresas pretenderem se justificar não apenas como instituições comerciais, mas também como capazes de contribuir para uma mudança no mundo, por menor que seja. Em comum entre eles está o fato de encararem o capitalismo como um sistema que, a despeito de todas as suas imperfeições, ainda permite transformações coletivas a partir de seu principal pilar, a livre iniciativa. Se governos e ONGs não atendem a todas as demandas da sociedade, companhias privadas podem oferecer a sua parcela de contribuição.

Mas há aqueles negócios que parecem pouco à vontade no sistema, e dele fazem parte apenas por falta de alternativa. Nem por isso, contudo, deixam de tornar clara a sua insatisfação e de marcar posição à sua maneira.

É o caso da editora N-1 Edições, que recentemente abriu um loja física na capital paulista. Especializada em obras das ciências sociais de abordagem crítica, a casa editorial anunciou a inauguração de seu ponto de venda de uma forma, digamos, peculiar, como se pode ver no anúncio acima. 

Nele, afirma chegar ao século atual sem se render “ao sistema 24/7”, oferecendo um showroom em que o atendimento cabe a “três seres humanos (...) que não trabalham sábados, domingos e feriados nacionais”. Esses “mesmos seres humanos” encarregam-se de processar e remeter os pedidos on-line, orgulha-se o reclame.

Para além da reação de simpatia que o anúncio provoca, ele parece sugerir um novo estágio nas pretensões daqueles que se insurgem contra o sistema. Se substituí-lo por outro tido como mais justo parece uma utopia inalcançável, torná-lo menos “selvagem” emerge como um caminho factível. Nessa direção, as opções podem não ser abundantes, mas existem. Para boa parte dos negócios, a sustentabilidade é o caminho. Para outros, o trabalho cooperado, nos chamados coletivos. No caso desta editora, é respeitar os limites do corpo e da mente, atendendo aos clientes no horário comercial e respeitando o sagrado direito ao descanso dos “três seres humanos” que trabalham na loja. Afinal, trata-se de uma loja de livros, não de um hospital – por mais que o desejo seja imediatista, o que custa esperar dois ou três dias para receber um exemplar? Combater o capitalismo pode significar contestar o princípio que faz do atendimento aos caprichos individuais o motor do mercado.

Em tempos de Occupy Wall Street, fazer negócios, quem diria, pode representar uma forma de expressar insatisfação – e de, como gostavam de dizer os contestadores de outras épocas, jogar um pouco de areia nas engrenagens do sistema.

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Quinta, 25 Abril 2024

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