A guilhotina da rede Globo

Uma frase me marcou no longo arrazoado de atrocidades que li no livro de memórias de um sobrevivente de campos de concentração. "Contavam-nos como se fôssemos ouro. Tratavam-nos como se fôssemos menos que merda." Bem a propósito, não é raro saber que...
A guilhotina da rede Globo

Uma frase me marcou no longo arrazoado de atrocidades que li no livro de memórias de um sobrevivente de campos de concentração. "Contavam-nos como se fôssemos ouro. Tratavam-nos como se fôssemos menos que merda." Bem a propósito, não é raro saber que a rede Globo demitiu alguns de seus próceres do jornalismo por razões alegadamente deontológicas, derivadas de um draconiano código de ética interno. Mas o que isso tem a ver com a declaração estapafúrdia e extremamente sincera do sobrevivente? Ora, chegaremos lá.

Pois bem, quem viu a Globo demitir William Waack como o fez, cedendo às pressões epidérmicas de uma turba histérica, já tinha motivo bastante para desconfiar dos padrões de decência que a regem. Se não se dá guarida sequer a seu maior expoente jornalístico por conta de uma bobagem que teria murmurado entredentes, e se o linchamento invadiu incólume as dependências da emissora, eis um indício de que algo de podre acontecia lá dentro. De onde brotaria esse moralismo de querubim, senão da alusão bíblica aos túmulos caiados? 

Mais recentemente, degolou-se Mauro Naves — 31 longos anos de Casa — sob a alegação de que ele teria dado um número de telefone a um advogado, no bojo de um caso de extorsão que envolveu um (por enquanto) ex-jogador de futebol descerebrado. A empresa alega que gostaria de ter sido informada a respeito do fato. Nem Frei Leonardo Boff, diante do Cardeal Ratzinger, então ocupante do trono que fora o da Inquisição, sentiu-se tão emaranhado numa situação kafkiana. Lá se foi outra parte da memória jornalística brasileira por conta de pruridos de vestal.    

Agora foi o caso de um jovem de nome Dony que, ao que tudo indica, vinha galgando todos os postos da empresa para um dia reinar soberano no anódino "Jornal Nacional", aspiração de resto legítima, na falta de melhor. Em favor da medida profilática, alegou-se que o rapaz embolsou um dinheiro maiúsculo para dar palestras em circuito interno aos funcionários de um banco. No mesmo final de julho, inventariou-se outra leva de desligamentos, uns até recebidos com alívio pelos telespectadores, nem sempre por profilaxia ética.

Causam espécie, contudo, não as cruzadas contra os altos salários e/ou a chamada "pejotização" dos funcionários. Mas sim os ditos critérios éticos furibundos. E aí chegamos de volta aos campos de concentração. Ora, os jornalistas são vigiados como se fossem uma lavra de diamantes de rara pureza. Há de se imaginar que daí brote um noticiário vibrante, inovador, investigativo, instigante e transformador. Que nada. O tal plantel de ouro, sujeito a peias tão estritas, protagoniza sim um jornalismo anódino, descafeinado, bem-comportado e cosmético. 

Desculpem-me. Mas não poderia ter encontrado comparação mais didática e adequada. Caem os Waack, sobrevivem as Annenberg. Francamente. 

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Quinta, 02 Mai 2024

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