Touro sem mãe
Segundo uma colunista do Jornal do Carro, página do Estadão, estaríamos diante de um fenômeno relativamente incomum no mercado de automóveis: aquele em que um produto torna-se mais forte do que a montadora que o fabrica. Para Rafaela Borges, a Toro (foto), picape da Fiat, conseguiu no Brasil aquilo que o Mustang obteve nos EUA: descolar-se da marca-mãe e ganhar uma espécie de “vida independente”, na qual o modelo faz tanto sucesso que praticamente oculta quem o fabrica, dispensando seu endosso (leia aqui). “Quem compra um Mustang compra um Mustang, não um Ford. O ‘muscle car’ poderia ser da Chevrolet, da Chrysler...ainda assim, seria um Mustang”, explica ela. “As pessoas compram a Toro porque desejam especificamente esse modelo. Ele poderia ser da Ford, da Hyundai, da Renault....E (...) faria o mesmo sucesso”, continua.
Não acompanho em detalhes o mercado automobilístico, mas achei o raciocínio da colunista interessante. Criar um produto de sucesso é um objetivo de qualquer fabricante. E torná-lo uma espécie de ativo em separado, a ponto de poder ser compreendido como uma empresa por si só, passível até de ser vendida para um concorrente, por exemplo, também não é má ideia. O interessante é que esse tipo de vantagem costuma ser obtida quando fabricantes investem em uma arquitetura de marca independente, em que cada produto recebe um nome específico e desvinculado da marca-mãe. É (ou foi) o caso das grandes multinacionais de produtos de consumo, como P&G e Unilever, e da brasileira Hypermarcas. Esta última é dona do Adocyl e do Zero Cal, do Apracur e do Doril, da Coristina e do Epocler – e praticamente nenhum consumidor sabe, pois o nome da controladora não aparece nos anúncios nem em destaque nas embalagens. Se qualquer uma dessas marcas for vendida para um concorrente, mal ficaremos sabendo.
No caso das montadoras, a arquitetura de marca é mista. Ou seja, o nome do produto é sempre acompanhado do da fabricante, de modo que todo mundo sabe que o Gol é da VW, o Fiesta da Ford e o Corsa, da Chevrolet. Ademais, carros sempre vêm com a logomarca do fabricante na grade frontal, na traseira e no centro da direção – ou seja, não tem como não saber o que se está dirigindo (o Mustang, a propósito, é uma exceção: nem sinal da marca Ford no veículo, o que ajuda a explicar a tal desvinculação mencionada pela colunista).
Por isso, para que um modelo específico se descole da marca-mãe, é preciso que ele não apenas faça sucesso, mas também que se distinga bastante dos demais produtos da fabricante, a ponto de não ser considerado seu ‘irmão de sangue’, por assim dizer. Talvez por aí possa-se explicar porque a colunista tem certa razão quando fala da Toro.
A Fiat é conhecida pelos carros compactos e médios, tidos como funcionais e de bom custo-benefício. Suas incursões em veículos de maior porte e sofisticação, como Tempra, Marea e Linea, nunca foram das mais bem-sucedidas. E sua tradição em utilitários é modesta; o SUV Freemont não parece ter decolado, a Strada é uma minipicape e o Dobló, um carro de nicho.
A Toro tornou-se líder de vendas em um segmento que, segundo os especialistas, ela mesma criou: o de picapes médias para uso predominantemente urbano. É um produto que se distingue dos rivais existentes no mercado, sim, mas, sobretudo, dos irmãos de montadora – não se parece com nenhum outro modelo que a Fiat fabrique atualmente ou tenha fabricado em algum momento de sua história no país. O consumidor olha para a Toro e não a vê como filha da mesma mãe do Argos, do Uno, do Mobi e do Siena. Poderia ter sido gerado em qualquer outro útero industrial.
Daí que tenha ganhado a tal vida própria que a colunista referiu. A questão passa a ser, então, o que a Fiat pode fazer a partir dessa realidade – tema do post da próxima semana.
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