O melhor cobranding da história
O que o picolé Kibon de Guaraná Antarctica, a linha de utensílios domésticos da Tok Stok com a identidade visual da Maizena e as balas Butter Toffees sabor cappuccino Três Corações têm em comum? Ora, são todos casos recentes de cobranding, recurso que permite a duas ou mais marcas se associarem para desenvolver a edição especial de algum produto ou serviço. Em São Paulo, existe até empresa especializada em promover essas uniões.
Para mim, porém, dificilmente um cobranding brasileiro será tão bem-sucedido quanto aquele ocorrido no distante 1974 - muito tempo antes, portanto, de ações desse tipo terem nome. Ele uniu as duas melhores e mais duradouras marcas de suas respectivas categorias e até hoje o produto final está na estante, na memória e no coração dos consumidores.
Foi o cobranding que juntou Elis Regina e Tom Jobim.
Estranho? Ora, o disco resultante dessa parceria é considerado, até hoje, o melhor da música popular brasileira do século 20. E a mentalidade que ajudou a concebê-lo envolveu elementos típicos do pensamento empresarial. Quem conta a história é Roberto de Oliveira, empresário de Elis à época, em depoimento ao Estadão (leia completo aqui).
“Elis vivia um momento crítico na carreira. Fazia grande sucesso, era talentosíssima, mas estava com o prestígio em baixa. Sofria um crescente preconceito vindo de alguns setores da imprensa, da intelectualidade e do mundo acadêmico, que não a perdoavam por ter cantado nas Olimpíadas do Exército. Elis não apoiava a ditadura, mas havia participado daquele evento um pouco por medo de retaliação e muito por inabilidade dos empresários da época, que negociaram o contrato sem medir consequências. O resultado foi devastador. (...) Conversamos bastante e decidimos por um reposicionamento. As principais decisões: mais cuidado com as palavras nas declarações que fazia, dedicação prioritária aos shows do Circuito Universitário e produção de um projeto em parceria com um artista de prestígio, para deixar claro que [ela] fazia parte do primeiro time.”
Repare no diagnóstico de Oliveira, traduzido aqui para o jargão dos negócios: ele tinha em mãos um produto excelente e popular, a cantora Elis Regina, mas de prestígio abalado junto a parte do público devido a um malfadado endosso a uma corporação francamente antipática, o regime militar. A solução? A mesma que qualquer marqueteiro recomendaria: o reposicionamento.
Ele seria operacionalizado evitando a exposição desmedida do produto nos meios de comunicação; reforçando o vínculo com uma parte importante dos consumidores, os universitários; e, principalmente, associando sua imagem a outra marca, de maior prestígio na época, de modo que esta funcionasse como a alavanca de valor necessária para completar o turnaround.
E qual era essa outra marca? Oliveira continua:
“Propus que o projeto fosse um encontro, como pretendíamos, e sugeri o nome do Tom [Jobim]. Tinha tudo a ver. Ele vivia fora do Brasil, não se envolvia muito com política e não participava do bullying que crescia para cima de Elis. (...) Eles se completavam. Elis precisava de mais prestígio, algo que Tom tinha de sobra, e ele se ressentia um pouco de não ser tão popular no seu próprio país.”
Repare que, para propor o cobranding, Oliveira identifica uma marca que também poderia ter interesse na associação, a fim de propor uma relação ganha-ganha. Tom Jobim precisava se reaproximar de um mercado deixado meio de lado depois de sua internacionalização.
É bem verdade que a execução das ideias de Oliveira foi bem menos linear e previsível do que seu planejamento. Elis e sua banda foram aos Estados Unidos e só lá contaram do projeto a Tom – o parceiro de cobranding, portanto, só foi avisado das intenções da outra parte em cima da hora. Pego de surpresa, ficou reticente no início, mas topou gravar o disco. Só que não confiou muito nos recursos humanos designados para colocá-lo em prática: músicos e arranjador brasileiros pareciam-lhe um downgrade frente aos talentos disponíveis na América. Mas como toda negociação prevê que as partes cedam um pouco, Tom assentiu, as gravações deslancharam e o produto final ficou perfeito, tanto que gerou extensões de marca, tais como um especial de televisão e apresentações no Brasil.
Bem, os dois produtos que promoveram o inesquecível cobranding não estão mais entre nós, mas suas marcas continuam as mais veneradas no mercado da música popular brasileira. Tom é o eterno maestro soberano, e Elis canta melhor a cada dia.
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