A Carolina do sonho grande

A literatura empresarial é pródiga em casos de companhias que sucumbiram a mercados em mutação enquanto ocupavam-se em demasia de sua vidinha cotidiana – processos, produtos, problemas. Tais quais a Carolina da canção de Chico Buarque, o tempo passav...
A Carolina do sonho grande

A literatura empresarial é pródiga em casos de companhias que sucumbiram a mercados em mutação enquanto ocupavam-se em demasia de sua vidinha cotidiana – processos, produtos, problemas. Tais quais a Carolina da canção de Chico Buarque, o tempo passava na janela sem que percebessem, dando origem a uma das lições clássicas do management: negócios devem ser geridos com um olho dentro e outro fora da organização.

Nos últimos dois anos, a Carolina do business mundial atende pelo nome de Jorge Paulo Lemann, o notório investidor que, ao lado de Marcel Telles e Beto Sicupira, protagonizou um histórico de fusões, aquisições e turnarounds bem-sucedidos no comando de seu fundo de investimentos, o 3G. Uma Carolina confessa, diga-se de passagem, pois foi o próprio Lemann quem se declarou, um ano atrás, “um dinossauro assustado”. O motivo? “Estamos sendo disrupted de todas as formas. Estamos sendo afetados por tudo".

De lá para cá, começou-se a questionar, aqui e acolá, se a fórmula Lemann - um misto de meritocracia agressiva, inspirada no Goldman Sachs, e devoção à eficiência operacional, aprendida com Vicente Falconi -, não estaria dando sinais de exaustão. 

O que explica a turbulência vivida por Lemann e cia.? Há duas chaves para entendê-la, na minha opinião. A primeira e mais evidente é que todo modelo de negócio ou ferramenta gerencial tem sua validade condicionada a um tempo-espaço definidos, não funcionando automaticamente para todos os mercados, setores, épocas e circunstâncias. A redução de custos e os ganhos de eficiência se mostraram perfeitos para explorar na plenitude o potencial de empresas subgerenciadas, não raro em ramos estáveis ou protegidos. Ideais, portanto, para fazer melhor o que se fazia até então, mas não para fazer diferente, o que parece ser a necessidade atual. 

A segunda chave reside no fascínio que certas ideias exercem sobre nós, especialmente quando afeitas à lógica mais pedestre e ao senso comum, como é o caso do ideário 3G. Promover e remunerar melhor aqueles que entregam desempenho superior e aprimorar continuamente o que se faz são trivialidades que reduzem a complexidade inerente ao management a um par de princípios facilmente compreensíveis. A fórmula Lemann tornou-se popular no imaginário dos negócios porque mexe com nossas noções de justiça e disciplina ao tratar o ato de gerenciar organizações com a impessoalidade e a objetividade que gostaríamos de ver em nosso cotidiano – desde que praticadas a nosso favor, evidentemente.  

O problema é que gestão não é uma coisa só, como diz Henry Mintzberg, e sim várias delas juntas. Mas nossa tendência de lidar mal com a complexidade, sentindo uma atração estética pela supersimplificação, explica porque certos gurus do management consagram-se justamente por ignorar diversos aspectos da administração e se concentrar em apenas um, como também gosta de lembrar o professor canadense. 

A igreja do “Sonho Grande” – título do livro que descreve a trajetória e o mindset do trio capitaneado por Lemann – provavelmente retomará sua senda de sucessos. Não sem antes ter aprendido que o conforto cognitivo que certas concepções oferecem não representa, necessariamente, a existência de uma “verdade” em gestão de empresas – que, se porventura existe, permanece inacessível a qualquer um de nós. (Versão reduzida de coluna publicada na edição 331 de Amanhã)

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Sexta, 13 Dezembro 2024

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