O corona fala mandarim

Deveríamos impor à China uma pesada multa que ajude alguns países a sair do buraco em que caíram

Um tema muito sensível é o que trata de atribuir culpa às autoridades chinesas pela devastadora crise sanitária que varre, castiga e mata a humanidade. O que o torna especialmente espinhoso é que as sensibilidades ficam muito afloradas e, de ambos os lados do espectro (o brasileiro muito em especial), há farta margem para a histeria. Senão, vejamos.

Quem aponta o dedo para Wuhan, onde tudo começou, pode ser acusado de atitude discriminatória vis-à-vis os chineses. E ouvirá: não é justo denigrir um povo por conta de autoridades lenientes. Pergunto: quem está falando de denigri-los? Quem sequer sugeriu reprimir hábitos alimentares e sanitários temerários, que cabem na cesta generosa da cultura? Enfim, os melindrosos, os politicamente corretos, os amigos da humanidade - esses são um sério entrave ao debate porque são piegas.

Mas há o outro lado. Há o lado dos que chamam o Covid-19 de "peste chinesa" ou algo que o valha. No afã de apequenar suas responsabilidades, e de criminalizar um inimigo facilmente identificável, eles se voltam com furor contra Pequim. Como se, assim fazendo, a necessidade de adotar políticas de isolamento, contenção e austeridade - com fortes impactos eleitorais -, diminuísse sua responsabilidade em gerir um problema real.

A verdade é muito mais singela. Um petroleiro que emporcalhe os oceanos terá de arcar com indenizações pesadas a pescadores, não é? Desde Bopal, Índia, quando a Union Carbide foi negligente na contenção do vazamento de gás, as multas podem levar até mesmo empresas gigantescas à falência, mas os lesados precisam ser compensados. Não vou sequer falar de canteiros com amianto, um clássico. Ou dos casos da indústria farmacêutica.

Imagine-se agora os danos da queima de florestas, desmatamentos e exploração indiscriminada de madeira - de que podemos ser exemplo, nós, brasileiros. Ou de catástrofes como Chernobyl, em que a responsabilidade soviética nunca foi atenuada. Ora, se até povos inteiros são indenizados por conta de males perpetrados por outros contra seus ancestrais - o que não dizer de um país que subnotifica de forma contumaz os dados de saúde que atingem o mundo? Em suma, a China integra um clube. Ocupa uma cadeira honrosa no concerto das nações. Não é um estado pária. Logo que pague o que for, de cabeça erguida, e melhore suas práticas.

Assim, sem revanchismos nem generalizações ocas, deveríamos impor à China uma pesada multa sob forma de proteção tarifária, para que ela esteja à altura do lugar que lhe cabe, e ajude alguns países a sair do buraco em que caíram. Para ela, os problemas são também inevitáveis. Mas uma multa de mil bilhões de dólares, ou de um trilhão, talvez não lhe faça tanta falta em dez anos, e a leve a ser mais consequente. Não se pode, afinal, urinar na piscina do clube impunemente.

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Quarta, 11 Dezembro 2024

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