Vale a pena seguir construindo rampas

Seu irmão estava morrendo de câncer no hospital, restrito ao leito e à cadeira de rodas. Naquele momento, seus pais se depararam com um problema prático. Qualquer deslocamento que seu filho doente fosse fazer em casa demandaria uma rampa de acesso, c...
Vale a pena seguir construindo rampas

Seu irmão estava morrendo de câncer no hospital, restrito ao leito e à cadeira de rodas. Naquele momento, seus pais se depararam com um problema prático. Qualquer deslocamento que seu filho doente fosse fazer em casa demandaria uma rampa de acesso, coisa que não tinha na velha residência da família. Uma dura avaliação da realidade, entretanto, mostrava que pouco sentido tinha em fazer essa construção no momento em que os médicos assinalavam que não havia mais tratamentos disponíveis e a alta hospitalar era muito improvável. Sem muito pensar, fizeram o que não se esperava.

Em um sábado pela manhã, o velho pai sofrido, seu tio e ele, então com 14 anos, em um silêncio triste iniciaram a construção da rampa. Uma rampa que fugia à lógica. Aos poucos o silêncio deu espaço a alguns poucos gemidos de esforços, de carregar sacos de cimento e terra, e ao barulho da betoneira. 

Então, ocorreu algo excepcional. Os vizinhos, com o barulho da betoneira, começaram a sair de suas casas, chegavam junto à obra, cumprimentavam com um aceno de cabeça e, apenas após poucos segundos de avaliação do cenário, passavam a carregar sacos, trabalhar com as pás e ajudar na construção da rampa. Homens de 40, 50, 60 e seus 70 anos trabalharam juntos até concluir a rampa.

Naquele fim de tarde contaram ao rapaz doente, no hospital, que todos tinham contribuído na construção da rampa de acesso para quando ele retornasse a sua casa. De alguma forma, ele passou a melhorar depois daquele dia. Ele viveu mais um ano. E viveu em uma casa que tinha uma rampa que lhe permitiu deslocamento com mais dignidade e autonomia. Essa história real aconteceu com Javier Gómez Santander, escritor e colunista no jornal espanhol El Mondo. 

Em suas variantes, ocorre com muitas pessoas, que acham que estão sozinhas. Mostra que vale a pena seguir construindo rampas, mesmo quando tudo aponta na outra direção. Ilustra que, mesmo nesses tempos em que basta uma opinião divergente para se fomentar hostilidade e ódio, vale a pena acreditar no ser humano.

*Médico Oncologista do Hospital do Câncer Mãe de Deus.

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Domingo, 15 Dezembro 2024

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