A TAP vende gato por lebre

O que é uma empresa? No meu entender, e na compreensão de especialistas de rodada experiência, uma empresa é uma ficção jurídica, uma abstração que ganha corpo a partir da soma de intangíveis que vão lhe conferindo identidade. Dito de outra forma, el...
A TAP vende gato por lebre

O que é uma empresa? No meu entender, e na compreensão de especialistas de rodada experiência, uma empresa é uma ficção jurídica, uma abstração que ganha corpo a partir da soma de intangíveis que vão lhe conferindo identidade. Dito de outra forma, ela é, antes de tudo, a cultura empresarial que constitui a espinha dorsal do ente jurídico. Assim sendo, não existe, por exemplo, o Magazine Luíza. O que há é uma pessoa jurídica que, para a consecução de sua atividade, é proprietária (ou aluga) de centenas de imóveis localizados em pontos estratégicos de cidades espalhadas por todo o país, e nestes mesmos espaços expõe utensílios domésticos que compra com grande poder de barganha, e tenta vender pelo melhor preço possível. Inclusive virtualmente. Para tanto, treina funcionários de forma diferenciada, a partir de uma matriz relacional que se corporificou no interior de São Paulo (Franca), e fará todo esforço promocional possível para que as pessoas se sintam bem em suas lojas, de lá saindo com a sensação de que fizeram ótimo negócio, na compra da geladeira ou do aspirador de pó. Mesmo que seja vendida amanhã, é lícito esperar que o comprador queira manter essa identidade, traduzida pelo jeito Luíza de fazer negócios. Nesse contexto, o cliente tem direito a se sentir integrante de uma experiência. Se está mentalizado a vivê-la e embalado pela simbologia do que ela representa, relutará em ir ao concorrente, mesmo que alguém dissesse que conseguiria melhor condição. Cabeças voltadas ao "branding" gastaram milhares de horas de trabalho e milhões de reais em veiculação para lograr esse milagre de fidelização. A quebra desse contrato abstrato não se dá sem perdas para ambos os lados. 

Vamos agora pensar em companhias aéreas. Vamos dividi-las, para efeitos meramente didáticos, em três famílias distintas. No primeiro grupo, mesmo levando em conta flagrantes diferenças de padrão de atendimento entre si, temos bandeiras de primeira linha. São aquelas que se confundem com os símbolos do país de onde são oriundas e acenam com uma experiência a bordo que conjumina padrão de serviço e segurança. Vou citar apenas dez: Lufthansa, British Airways, Air France, Alitalia, Iberia, Qantas, SAS, Swiss, El Al e Emirates. A cada uma, corresponde um intangível. No segundo grupo, temos as empresas "low cost" que, embora sejam detentoras de bons padrões de segurança, o único que prometem é chegar ao destino pelo menor preço possível. Cito cinco delas: Ryanair, Vueling, Aer Lingus, Thomas Cook e Easy Jet integram o grupo. No terceiro bloco, aquele que agrupa empresas temerárias, muitas delas africanas, sul-americanas, mas também asiáticas. Destaco a Air Koryo, Yeti Airlines, Tara Air, Nepal Airlines e Buddha Air. Se há limites para o padrão das excelentes como Qatar ou Singapore, para baixo tudo é possível. São empresas que voam ao arrepio das normas de segurança e cujas tripulações assumem riscos inomináveis por conta de uma bizarra política de bônus. E que, não raro, estão nas mãos de um único dono que procura descolar negócios lá e cá, tentando maximizar uma jogada de fôlego curto, oportunística, já que sua empresa não tem ambições de se consolidar. Basta ver o caso do acidente que vitimou o time da Chapecoense, no desastre ocorrido nos arredores de Medellín, resultante de uma cadeia de irresponsabilidades vis, a começar pela pane seca.    

Agora me responde: qual seria sua reação se você comprasse uma passagem para viajar com uma empresa do primeiro grupo (ainda que no "low end" deste) e se, na surdina do embarque, um ônibus o levasse até uma posição remota e ali você embarcasse num avião sem qualquer indicação de nome ou origem? E se, ao entrar, sendo você experiente, você detectasse os discretos sinais – aqueles que não conseguem ser apagados –, indicando que a empresa em questão pertence ao terceiro grupo das empresas citadas acima? E que tal se seu seguro de vida pessoal não se responsabiliza se você voar em aviões que integram o malfadado bloco? Pois foi exatamente isso o que aconteceu essa semana. No voo TP 11. A TAP, que cumpre há mais de meio século a rota Lisboa-Recife, reeditando um procedimento que vem fazendo com bastante frequência, fretou de última hora um avião da Arik Air (sic), da Nigéria, para fazer a travessia do Atlântico. Entre outras credenciais, ademais da frota bisonha, a dita empresa teve há menos de três meses uma tenebrosa ocorrência em Gana, numa viagem originada em Lagos, quando pousou em chamas em Accra. O que dizer de uma empresa que não se digna a dar uma explicação plausível sobre esse tipo de troca e que sequer oferece aos passageiros a possibilidade de não embarcar? E já nem falo aqui da configuração interna do avião, visivelmente usado para outras finalidades que não o transporte de passageiros, posto que equipado com balcão de bar (sem uso), sala de estar (idem) e de reunião (idem), o que diz muito das antigas funções a que estava destinado. Nem a lusificação da tripulação de atendimento mascarou as marcas de uma operação temerária e espertalhona.    

Concluo, amigos. Voltemos, para arrematar, à alma das empresas. Ora, a TAP já não reflete o Portugal que amamos e que o mundo começa a descobrir com entusiasmo. Mesmo assim, até que se prove o contrário, o imaginário e a vivência concreta de passageiros muito rodados, lhe atribui o galardão de empunhar as cores nacionais. Entre uma empresa submetida a padrões estritos de voos regulares a Frankfurt, Londres e Paris, é óbvio que vamos preferi-la a outra cujos aeroportos de destino mais frequentes não obedecem aos padrões que consagramos como Luanda, Bamako ou Abuja. Como avaliar um caso assim? É justo que seja só mais uma queixa das dezenas que são lavradas contra a TAP regularmente? O que dizer e o que fazer? Na falta de uma resposta imediata, uma coisa é certa: passa da hora de Recife contar com uma alternativa mais adequada às oferecidas pela TAP para a rota curta do Atlântico. A confiança se enfumaça. E o charme antigo, parece irrecuperável no imaginário local. Vamos dar publicidade a este desabafo. Pode ser a última chance da empresa no solo (e nos ares) de Pernambuco.

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Sexta, 26 Abril 2024

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