Trinta anos depois, Festuris leva a indústria do turismo ao divã
O que pode haver de comum entre 15 mil profissionais, empreendedores, gestores, autoridades ou simples diletantes do turismo que no início de novembro circulavam pelos 24 mil metros quadrados do Serra Park, em Gramado?
Não há uma resposta única e muito menos certeira em se tratando de Festuris, a feira de destinos e produtos turísticos que a Rossi & Zorzanello realiza há 30 anos, e cuja marca tem sido a de proporcionar um evento que combina networking, negócios e painéis temáticos para variados gostos e perfis. Nada de pronunciamentos políticos apimentados, e tampouco uma “carta”, manifesto ou moção de crítica a uma possível incorporação da pasta do Turismo a um outro ministério, como já anunciado pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro. O Festuris é para encontros que oportunizem negócios – e ideias que levem a mais e melhores negócios.
No Festuris, o olhar e a atenção dos visitantes se dispersa entre interesses os mais diversos – Las Vegas, Ceará, Santa Catarina, República Dominicana, Pará, México, Israel, Foz do Iguaçu e a divulgação de sua mesquita, espaços de gastronomia, oficinas de capacitação oferecidas pelo Sebrae, degustações por toda parte, agentes de viagens e operadores em um sprint final para aproveitar o último dos grandes eventos do setor antes da virada do calendário. Pelos corredores, jornalistas com décadas de cobertura turística caçando novidades ao lado de repórteres viajantes, viajantes repórteres, bloggers, influenciadores digitais, fotógrafos e videomakers.
“Estes dois dias ficaram pequenos para o Festuris”, concluiu, no encerramento, o diretor do evento, Eduardo Zorzanello, diante de um discreto assentimento de Marta Rossi – a sócia-líder que 30 anos atrás empreendeu a primeira edição de uma feira então minúscula, tida pelos mais céticos como uma pequena loucura de duas mulheres – ela e Sílvia Zorzanello, a mãe de Eduardo, falecida em 2010.
Se a programação for espichada, não faltará assunto. Apesar das 250 minipalestras e workshops, ainda há pelo menos um tema em busca de respostas – entender como os diferentes elos da cadeia do turismo podem pegar a onda da tecnologia, em vez de se deixarem tragar por ela. Marcus Rossi, o diretor que completa o quadro da segunda geração da Rossi & Zorzanello, percebeu que o tsunami digital ainda não está suficientemente claro para muitas empresas do trade turístico, e disparou um alerta. “A indústria turística é a que mais precisa se atualizar, no sentido de encarar as novas tecnologias como aliadas e não como rivais. Mas a verdade”, provocou, “é que o setor está avançando a passos de bebê, ainda.” Como ele é quem comanda o Summit Hub, evento de tecnologia e empreendedorismo da Rossi & Zorzanello, está dada uma das pautas da edição de 2019, de 31 de julho a 2 de agosto.
O tema da transformação digital perpassou quase todos os painéis como uma das grandes variáveis de sucesso – ou fracasso – para agências de viagem. Mais do que conhecer e dominar tecnologias de interação com os clientes, o desafio da sobrevivência está em entender quem é este novo consumidor de turismo. A editora do caderno de turismo do jornal O Estado de São Paulo, Adriana Moreira, pinçou um dado de pesquisa: a pessoa que decide fazer uma viagem começa a estruturar seu plano sozinha, a partir da internet, e leva em média 30 dias para concluir o processo. Renato Gonçalves, da Universal Orlando Resort, tocou neste ponto. “Nosso cliente já chega com muita informação, porque pesquisou antes. Nós temos de nos preparar muito bem para dialogar com ele”, avisou.
Preparar-se bem implica, entre outras adaptações, mudar o discurso de venda, desapegando-se de clichês que foram se constituindo ao longo dos anos. “Seychelles é perfeita para lua-de-mel, mas é muito mais do que isso. Temos de parar de rotular os destinos”, apregoou Gisele Abrahão, da agência de marketing Global Vision Access. “A cada viagem que eu faço para Noruega e Mônaco eu tenho uma nova descoberta, não é a mesma coisa.”
A ideia de proporcionar ao turista uma experiência memorável foi passada e repassada em praticamente todas as exposições, mas atingiu seu momento mais arrebatador na apresentação do cinegrafista e fotógrafo de natureza Cristian Dimitrius. Ele exibiu parte do material que tem gravado para canais como National Geographic, com o sentido de expressar o caráter transformador de viagens de aventura e exploração – tensas, como a de “caçadores” de tornados nos EUA; desafiadoras, como viver a rotina de esquimós e seus cachorros de neve puxando trenós sob temperaturas abaixo de 30 graus negativos; ou, ainda, entregando-se a sensações raras, como nadar junto a Orcas e capturar as imagens da aurora boreal no inverno norueguês. “A gente não volta igual.”
“Há um novo consumidor”, descreveu Ricardo Hida, da agência especializada em turismo e gastronomia Promonde. “Este consumidor tem ciência de seu poder e é sensível a causas, conecta-se a elas. Ele procura experiências memoráveis, e quer ser o narrador de sua própria odisseia”. Além de produzir seu próprio conteúdo sobre as peripécias que experimentou, o turista pratica com volúpia cada vez maior o compartilhamento do que fez, por onde andou, o que viu, sentiu, saboreou ou descobriu. “É preciso entender que há múltiplos turismos para muitos viajantes”, sustentou Hida, relacionando perfis de turistas com os 12 arquétipos exibidos no livro de Margaret Mark e Carol Pearson – entre eles, o “herói”, o “bobo-da-corte” e o “explorador”.
Abrem-se, então, duas esferas de exigências para os profissionais de turismo. Por um lado, é preciso utilizar todos os recursos da tecnologia para ganhar escala e eficiência nos processos de prospecção e clientes, e nesse sentido o consultor Juliano Kimura forneceu um roteiro prático para que as agências de turismo acelerem rumo à transformação digital, valendo-se de ferramentas como o Manychat, que auxilia na criação de robôs de atendimento muito úteis, ou impulsionem a circulação de conteúdos de forma eficiente, como mostrou o fotógrafo e influenciador digital Maurício Oliveira. Mas, por outro prisma, entender um turista ultrainformado e que rejeita o mais-do-mesmo impõe um nível maior de personalização no atendimento. “O consumidor busca singularidade, quer ter suas expectativas e preferências pessoais atendidas. O contato individual com o cliente será cada vez mais importante, especialmente quando aparece um problema e ele precisa de orientação”, recomendou o professor da USP e ex-presidente da Embratur, Eduardo Sanovicz. “O intermediário que não agregar valor vai desaparecer da cadeia produtiva do turismo”, sentenciou, diante de olhares atentos.
30ª edição do Festuris (Gramado, 8 a 11 de novembro de 2018)
– 15 mil participantes entre profissionais de turismo, estudantes e imprensa;
– 65 destinos internacionais;
– R$ 20 milhões de impacto econômico para a Região das Hortênsias, na serra gaúcha;
– 5% de crescimento no número de expositores, comparativamente a 2017;
– 24 mil metros quadrados de área na Feira de negócios;
– 250 palestras compactadas em diferentes painéis e workshops;
– 450 jornalistas e influenciadores digitais do Brasil, Argentina, Chile, Paraguai, Uruguai, Peru, Espanha, Portugal e Estados Unidos.
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