Princípios corporativos podem perpetuar os negócios familiares
Não há nada com que as empresas e seus executivos se preocupem com tanta frequência quanto o lucro ? aí está uma métrica que o conselho de administração e os acionistas não deixam que esqueçam. A maior parte das famílias, diferentemente disso, não adota essa abordagem nas escolhas que fazem. Douglas McCormick (foto), sócio da MCI Equity Partners, se pergunta por que isso não acontece. Ele trata do assunto mais diretamente em seu livro “Family Inc.: Using Business Principles to Maximize Your Family’s Wealth” [Família Ltda: Usando os Princípios Empresariais para Maximizar o Dinheiro da sua Família, em tradução livre]. McCormick explica, na entrevista a seguir, que todos estaríamos em situação muito melhor se usássemos esses princípios.
Há muitos livros por aí atualmente sobre como lidar com as finanças familiares. No que o seu se diferencia dos demais?
Me parece que há uma lacuna no mercado. Há muitos livros que tratam do assunto. Contudo, minha experiência é de que alguns deles são muito específicos e limitados quando tratam de tópicos como bens imóveis ou investimento em ações. Também não são muito acessíveis para a maior parte das pessoas; outros são bastante completos, mas falta a eles rigor intelectual. O que tentei fazer foi pegar o melhor dos dois mundos e dar aos leitores uma estrutura sobre a qual possam efetivamente avaliar todas as suas tomadas de decisão. Basicamente, a premissa é de que deveríamos pensar em nós mesmos como empresas. Toda família tem, na verdade, dois grandes ativos: trabalho e capital. O jogo financeiro da vida consiste em aprender a converter o trabalho em capital para o sustento da família depois de exaurido o trabalho.
O trabalho é o principal ativo em uma operação familiar atualmente?
É, sem dúvida. No entanto, é o elemento mais negligenciado. É interessante que a maior parte dos investidores financeiros se dedique, numa atitude míope, aos ativos financeiros, mas antes é preciso adquirir riqueza para que se possa administrá-la. Para muitos de nós, o trabalho é, de longe, nosso maior ativo e o mais negligenciado de todos.
Quantas pessoas, na sua opinião, decidiram aplicar uma visão empresarial às finanças da família?
Muito poucas. A indústria está organizada de tal modo que as pessoas quando pensam em soluções, pensam em produtos ? produtos de seguro, de investimentos. Defendo que a independência financeira é realmente fruto de uma tomada de decisão mais bem elaborada. Há muitos estudos nas escolas de negócios e nas empresas norte-americanas sobre melhores práticas de gestão financeira. Acho que, na verdade, boa parte disso é importante para as decisões familiares tão logo você tenha definido a estrutura como apresento no livro.
Tudo indica que muitos millennials estão mais preocupados com as finanças a longo prazo, o que é um bom sinal, embora ainda tenham de lidar com uma dívida escolar substancial.
Exato. Acho que as pessoas estão começando a lidar com o fato de que o jogo realmente mudou. Em outras palavras, se olharmos para a geração do meu pai ? ele tem quase 80 anos hoje ? aquela geração teve provavelmente uma, talvez duas ou três carreiras na vida, ou três empregos. Hoje, um millennial provavelmente terá mais de 10. Portanto, as escolhas que resultam em segurança financeira são muito deferentes para os millennials do que eram nas gerações anteriores.
Quem está na faixa dos 20 anos e dos 30 anos e pensa no assunto tem, obviamente, bastante tempo pela frente antes de se aposentar. Mas, e quanto aos que estão na faixa dos 40 anos e dos 50 anos, alguns dos quais estavam fazendo um belo pé de meia para a aposentadoria, tinham grandes planos, mas que foram destruídos pela recessão de alguns anos atrás?
Em primeiro lugar, nunca é tarde demais para começar, mas é óbvio que quanto mais tempo as pessoas tiverem, maior facilidade e mais meios elas têm para alcançar a independência financeira. Dito isto, acho que as pessoas muitas vezes subestimam a multiplicidade das diferentes escolhas à sua disposição e que podem, de fato, impactar sua segurança financeira. Elas também desprezam o tempo em que serão capazes de manter esses investimentos. Eu diria até mesmo para alguém na faixa dos 40 anos e princípio dos 50 anos ? você não vai apenas preservar o investimento feito até se aposentar, mas o fato é que esse investimento vai sustentá-lo durante 20 anos ou 30 anos depois que você se aposentar. Portanto, seu horizonte de tempo é relativamente longo. Vejo os benefícios da Seguridade Social como outro ativo fundamental. Trata-se, basicamente, de uma anuidade que você é obrigado a comprar. A analítica financeira que aplicamos às empresas trabalha com conceitos que também podem ser aplicados à família: demonstração de resultados, balanço patrimonial, ambos sob a perspectiva de gestão de liquidez. Creio também firmemente no empreendedorismo. Para mim, trata-se da via mais adequada para a segurança financeira. Minha premissa básica é que os mercados financeiros são muito competitivos, os mercados de trabalho são muito competitivos, mas quando combinamos trabalho com capital, creio que criamos um retorno mais substancial. Nesse mercado dinâmico, o empreendedorismo é visto como algo arriscado. Na verdade, porém, creio que seu perfil de risco é bem menor do que muita gente imagina.
De que modo as crianças e o ensino universitário entram aí?
Eu diria que podemos recorrer a muitos dos princípios empresariais. Isso não significa necessariamente que vamos tomar a melhor “decisão empresarial”. Minha proposta é que tomemos decisões bem fundamentadas. Ter filhos, obviamente, é um investimento significativo e resulta em uma obrigação financeira importante. Trata-se, porém, de uma escolha pessoal que as famílias fazem o tempo todo e que faz muito sentido. Do ponto de vista da educação, a primeira coisa que as pessoas têm de admitir é a seguinte: “Os meus filhos têm a atitude, o desejo e o interesse de seguir uma carreira que requer uma formação acadêmica?” O pior investimento é fazer um curso por 4 anos e depois não aproveitar as habilidades adquiridas. No entanto, depois de assumir a decisão tomada, creio que a formação é um dos melhores investimentos que alguém pode fazer hoje em dia. Sei que há muita discussão em torno do custo do ensino, o que é a mais pura verdade, mas penso no retorno sobre o investimento feito em 50 anos. As pessoas não refletem como a educação pode ampliar a carreira de alguém. Se o indivíduo estiver fazendo trabalho manual aos 60 anos, terá dificuldade em continuar a fazê-lo. Contudo, se olharmos para o mercado, veremos que há muitas pessoas na faixa dos 70 anos ainda bastante ativas, integradas à força de trabalho, graças às suas habilidades intelectuais.
Deve haver alguém na família que planeje boa parte do que acontece?
Constatei que geralmente, em uma família, há uma pessoa que se interessa e tem a aptidão e o tempo para desempenhar um papel mais preponderante nessas questões. Porém, creio que as decisões, em última análise, acabam sendo tomadas em parceria. Por causa do meu interesse, passo muito tempo pensando nessas coisas em casa, mas não há dúvida que os grandes compromissos e decisões financeiras cabem à família toda.
Você também fala de herança no livro.
Sim. Observei que muita gente passa a vida toda acumulando riqueza. E como pode ser difícil conversar a esse respeito, é provável que não haja muita partilha de informações sobre o assunto nas famílias. Em muitos casos, embora tenham tomado decisões financeiras excelentes por toda vida, as gerações seguintes não dispõem de dados para administrar a contento os negócios familiares. Defendo que toda a família se reúna para refletir periodicamente a respeito da “empresa” familiar. Isso serve, em primeiro lugar, para educar a geração seguinte e ajudá-la a desenvolver habilidades, além de configurar de tal modo as coisas que, numa eventualidade qualquer, haja um plano de sucessão preparado de modo que ela possa lidar com responsabilidade com os ativos que estão sendo deixados.
Qual o maior obstáculo ao processo de empreendedorismo?
É começar. Muitas vezes, há inúmeras coisas que você gostaria de saber, mas não sabe, e só saberá quando se puser em campo à procura delas.
Se você estivesse diante de um grupo de universitários recém-formados, o que gostaria de dizer a eles?
Eu daria os parabéns por terem feito esse investimento tão importante em educação. Agora é hora de pensar em como transformar em dinheiro esse investimento. Na faixa etária em que se encontram, o importante é maximizar o valor de longo prazo do trabalho. Há alguns tópicos fundamentais nesse caso. O primeiro deles, insisto, é não se fixar no salário do ano que vem. Toda a atenção deve estar voltada para a aquisição das habilidades requeridas pela economia durante um bom tempo. Encontre uma empresa que ofereça boas perspectivas de crescimento, não apenas porque esteja crescendo, mas porque seu crescimento pode lhe proporcionar a oportunidade para o desenvolvimento do seu conjunto de habilidades. No caso dos jovens, encontrem uma companhia de marca excepcional em que possam trabalhar enquanto pensam para onde desejam ir depois do seu primeiro emprego. Por fim, acho muito importante que se descubram situações que ofereçam muita flexibilidade. Em outras palavras, o mercado está mudando rapidamente e é importante que você possa usar as habilidades adquiridas em seu emprego atual em outras indústrias e mercados. Em muitos casos, isso acaba me levando a pensar que os conjuntos de habilidades funcionais, sejam na área de finanças, marketing, recursos humanos ou gestão de operações são atraentes porque você não fica necessariamente atrelado a uma indústria, e sim a um conjunto de habilidades que podem ser usadas em diversos setores.
*Serviço gratuito disponibilizado pela Wharton, Escola de Administração da Universidade da Pensilvânia, e pela Universia, rede de universidades que tem o apoio do Banco Santander.
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