Comércio Brasil-China em perigo?

Após queda considerável nos últimos anos, o comércio Brasil-China recuperou-se em 2017, com saldo de US$ 20 bilhões para as exportações brasileiras, que alcançaram o recorde de US$ 47,5 bilhões. Esse total é mais expressivo ainda, quando comparado co...
Comércio Brasil-China em perigo?

Após queda considerável nos últimos anos, o comércio Brasil-China recuperou-se em 2017, com saldo de US$ 20 bilhões para as exportações brasileiras, que alcançaram o recorde de US$ 47,5 bilhões. Esse total é mais expressivo ainda, quando comparado com o valor das vendas do Brasil para a China no início desse século, modesto US$ 1,1 bilhão em 2000. Crescendo muito a cada ano, em 2010 chegou a US$ 30,8 bilhões, patamar do qual saltou no ano seguinte para US$ 44,3 bilhões. Esses números deixam na poeira os poucos milhões de dólares vendidos para a China em 1974, ano no qual o Brasil presidido pelo general Geisel estabeleceu relações diplomáticas com o país, então governado pelo dirigente comunista Mao Tsé Tung (grafia da época; atualmente pronuncia-se Mao Zedong). 

As exportações brasileiras para a China têm problemas, evidentemente, dado o enorme peso das commodities, a pobreza em manufaturados e a ausência de produtos de alta tecnologia. Mas elas têm sido importantíssimas para o Brasil, pelo volume de vendas e o saldo quase sempre positivo. Foram as vendas de minérios, soja, celulose, carnes etc. para a China, que ajudaram a diminuir o impacto da crise dos Estados Unidos no Brasil em 2008-2009. As importações de produtos chineses nesse século também ajudaram a manter os preços internos baixos, assim como os investimentos crescentes das empresas chinesas têm contribuído para movimentar a economia brasileira. 

Por tudo isso que empresários tradicionais exportadores para a China, dos setores mineral e de alimentos e produtos agrícolas do Brasil, devem ter se assustado com as especulações sobre o futuro das relações comerciais entre os dois países, a partir de declarações do presidente recém-eleito e da reação chinesa dia 31 de outubro, através de editorial no jornal “China Daily”, publicado em inglês e de grande circulação no meio empresarial estrangeiro. 

Agro impactado
Analistas se perguntam se o Brasil vai mesmo abrir mão das vendas para o seu maior comprador (mais de US$ 300 bilhões nos últimos dez anos). Essa pergunta leva a raciocínios impactantes para o agronegócio brasileiro, que investiu muito nos últimos 15 anos para atender à crescente demanda chinesa por soja e outros produtos agrícolas e alimentares – e essa imensa capacidade de produção ficará ociosa, se deixarmos de atender o maior cliente. Além disso, para quem ainda sonha em vender para a China bilhões de litros de etanol e muitos milhões de toneladas de açúcar, lácteos, carnes suína e bovina, madeira (eucalipto, pinus) etc., notícias assim realmente assustam. 

Coincidentemente, agora no início de novembro há empresários brasileiros tentando vender para a China na 12ª CLAC, em Zuhai (Guangdong); na Feira de Importações de Shanghai; e em diversas missões (inclusive uma de lácteos, de Santa Catarina). E em outubro, a Eletrosul perdeu grande negócio (R$ 4 bilhões) com a Shanghai Eletric, após muitos meses de negociações, e centenas de empresários, de vários estados, visitaram a tradicional e gigantesca Feira de Cantão, em busca do “negócio da China”. 

Estratégia em falta
Que o Brasil não tem estratégia, enquanto país, para lidar com a China, isso é público e notório, assim como as desvantagens gritantes para a indústria nacional desse comércio cada vez mais desigual – os dados e estudos disponíveis a esse respeito confirmam que o problema é grave e cresce cada vez mais. Insistimos sobre essas questões há mais de dez anos aqui em AMANHÃ, por entender que lidar bem com a China exige uma compreensão do seu papel na disputa comercial mundial – e dos respectivos papéis dos Estados Unidos, Alemanha, Coreia do Sul, Japão e Brasil, pelo menos. Há muitos trilhões de dólares, yuans e euros em jogo, e os correspondentes impactos nas economias desses países, com reflexos nas dos demais. 

A ofensiva do presidente Trump contra a China, escanteando a Organização Mundial do Comércio (OMC), terá desdobramentos imprevisíveis, porque os chineses são melhores negociadores e têm muito mais “bala na agulha” do que os norte-americanos. No caso do Brasil, se deixarmos de vender soja e outros produtos agrícolas para a China, simplesmente não teremos outro comprador para tanto produto. O mesmo vale para o minério de ferro. E os Estados Unidos são nossos concorrentes, e não compradores, em soja, carnes, lácteos e em muitos outros produtos...

Em 1974, houve forte reação da chamada “linha-dura” das Forças Armadas ao estabelecimento de relações diplomáticas com a China comunista, que não aceitaram o pragmatismo do governo Geisel – de olho nas perspectivas comerciais e econômicas que elas significavam para o Brasil. Por conta dessa reação ideológica, os negócios com os chineses limitaram-se durante muitos anos a poucos milhões de dólares. Somente no governo Sarney é que as exportações para a China começaram a crescer e as relações diplomáticas melhoraram, a ponto de se estabelecer o convênio Cbers, em 1988 (ainda hoje em vigor), para lançar satélites brasileiros utilizando foguetes chineses. 

Talvez agora novamente o pragmatismo se imponha no governo brasileiro, pela enorme importância econômica do comércio com a China, e as relações diplomáticas entre os dois países sejam mantidas no nível alcançado nos últimos anos. Comercialmente falando, sempre é melhor ter mais compradores com os quais negociar do que fechar portas. Talvez os interesses econômicos norte-americanos se imponham, visando voltar a ser o maior parceiro na balança comercial brasileira, como era há dez anos. A sorte está lançada.

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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