"A Grécia não aguentará um mês nessa situação", prevê especialista
No último domingo (5), os eleitores gregos promoveram um corajoso ato de recusar uma nova rodada de empréstimos dos credores em troca de mais austeridade no país – gesto que pode custar muito caro. Com a ousada afronta à Troika (formada por Comissão Europeia, BCE e FMI) manifesta nos 61% de votos contrários em plebiscito, a Grécia corre o risco de ser expulsa da zona do euro. Ou ainda abrir precedentes para a rebeldia de outros países em condições delicada, caso de Portugal, Espanha e Irlanda. Essa é a avaliação do administrador, historiador e matemático grego Jorge Constantin Kapotas em entrevista ao Infomoney. Confira.
Qual é sua avaliação do momento grego após a vitória do “não”?
A vitória do “não” coloca mais volatilidade e incerteza na difícil situação em que se encontra a sociedade grega, pois radicaliza a posição do governo, que agora tem o apoio do povo, ao passo que as declarações de todos os países que fazem parte da zona do euro já disseram claramente que isso significa um “não” à permanência da Grécia no Euro. Agora, temos a situação em que os dois lados estão aumentando a distância de seus pontos de vista e um total impasse. O “sim” encurtaria essa distância. Como dizem na Grécia, a situação está à beira de um colapso total. Não podemos nos esquecer que, nas próximas semanas (20 de julho), vencem 3,5 bilhões de euros em títulos que estão em poder do BCE. É uma situação totalmente caótica, com possibilidades de um acidente ocorrer no meio do caminho.
O senhor enxerga motivações políticas por trás da convocação do plebiscito?
Essa foi uma manobra totalmente política, uma ferramenta de negociação de última instância que, supostamente, o governo grego engendrou. Foi uma condução política com fins de obter melhores condições de negociação. Por outro lado, os países da zona do euro, BCE, Comissão Europeia etc entendem isso de outra forma. Então, nessa queda de braço, o diálogo fica mais difícil. Tsipras vendeu algo para os eleitores que não corresponde à realidade. Não ganhou por uma margem de votos tão grande – foi boa, mas não uma vitória acachapante –, mas, se a pergunta fosse “ficamos ou saímos do Euro?”, o “sim” teria vencido. É uma situação totalmente confusa, fomentada pelo governo grego como um artifício de negociação.
Qual seria o interesse do governo?
Há o efeito imediato de colocar a maior parte do eleitorado grego atrás de sua proposta. Para todo o benefício que consegue em termos internos, ela desfaz em termos externos. Ou seja, ela se distancia mais de seus parceiros e sócios europeus. A situação está totalmente no ar. A Europa pode simplesmente voltar à mesa, mas duvido muito que ela faça isso com condições mais brandas. E todo o processo de renegociação será mais longo por duas razões: primeiro, porque o programa anterior terminou em 30 de junho e é necessário um processo regimental mais longo para a aprovação de um novo programa; e as negociações agora serão mais difíceis, pois a Grécia não honrou o pagamento para o FMI. O próximo pagamento será para o credor BCE, que está dando sustentação ao sistema financeiro grego. Como esse limite não foi aumentado, a onda de saque que ocorreu recentemente fez com que os bancos gregos fechassem e o próprio governo impôs controle de capital de todas formas. A economia grega não se sustenta por mais de um mês nessa situação. Algo deverá acontecer: uma nova moeda que pode ser emitida, uma mudança de governo, tudo é possível nesse momento.
O governo parece que percebe essa situação na medida em que o ministro das Finanças Yanis Varoufakis renuncia ao cargo para desentravar as negociações.
Essa já era uma carta marcada. Ele mesmo havia declarado que, se o “sim” ganhasse, já não seria mais o ministro das Finanças. Já havia uma antipatia criada em torno do nome dele. Não sei se a troca desse ministro fará com que as propostas da Grécia se modifiquem radicalmente. Uma delas veio com desconto da dívida na ordem de 30%, coisa que a Alemanha já deixou claro que uma restituição da dívida nesse cenário não será considerada. O impasse está colocado. É importante frisar que a economia grega está sofrendo muito com o fechamento dos bancos. Ela já vinha sofrendo e o único setor que dava sinais de vida era o turismo. Com o fechamento dos bancos e os controles de capital, muitas das reservas de hotéis e voos foram canceladas. Estima-se que, em função dessas limitações financeiras impostas por esse governo, o movimento turístico caia até 50% do que seria um ano recorde em termos de volume de receitas do setor, que responde no mínimo 15% do PIB, sem efeito dos multiplicadores. Sendo que 70% disso ocorre no verão, o que faz com que uma redução pela metade do volume das receitas do setor nesse período crucial (se isso se efetivar até setembro) equivaleria a uma recessão de 3,5%. Só estamos falando desse setor. Obviamente, também terá problemas todo o segmento importador, pois não consegue mais financiar importações ou fazer transferências internacionais. Teríamos um efeito recessivo muito grande na economia grega.
O que o senhor espera para o bloco europeu, de um modo geral, com essa decisão grega?
É o que falamos de risco moral da zona do Euro. Se, por um lado, ela afrouxa as condições de negociação da Grécia, ela teria que fazer o mesmo para outros países que já implementaram com sucesso a maior parte de suas reformas. Estabelecer-se-ia condições desiguais, o que não poderia acontecer teoricamente. Aí, perde-se o controle da situação. A questão monetária europeia é exatamente o que a Alemanha não quer: que se estabeleçam governos que contestem todo esse receituário de reformas que vem do BCE, FMI, Comissão Europeia, implementado na Espanha ou em Portugal. Isso seria muito ruim para a Europa. Por outro lado, se ela também endurecer com relação às novas propostas gregas, teremos a primeira baixa do que seria uma união monetária duradoura – e também suas consequências. É uma situação muito difícil. Tudo com o tempo se resolve. A questão é que a Grécia não tem mais tempo. O governo usou muito mal o tempo que tinha. Desperdiçou. Chegou a estar muito próximo da negociação do acordo. Não se entende como alguém que estava tão próximo de um acordo chama um plebiscito para consumir a última semana vigente do programa. Tudo parece ser intencional. Não acredito na inocência das pessoas.
Como se não tivesse mais como ceder em nenhum aspecto?
Isso. E agora volta à mesa para negociar provavelmente a mesma coisa que jogou para o alto. Creio que, nessa situação da Grécia, em menos de dez dias, teremos alguma definição importante. Se o governo entrar em default com o BCE, seria o fim de qualquer tipo de ajuda que o banco pudesse dar. Não há como a autoridade monetária mascarar a situação grega. Ela recebe como colateral uma série de empréstimos comerciais que hoje não valem quase nada.
Quais são as responsabilidades dos principais agentes envolvidos sobre os erros cometidos?
Várias. A Troika cometeu erros gravíssimos. As alegações e acusações do governo grego, em relação ao fracasso do programa europeu, são reais e foram confirmadas pelo próprio FMI, que escreveu, em relatório de 26 de junho, que a dívida grega é totalmente insustentável e precisa ser renegociada. Fora declarações de diversos economistas ganhadores de prêmios Nobel, que dizem que insistir nesse programa recessivo e de austeridade que não deu certo, é impossível. Foi um erro grosseiro. Esse desmantelamento do Estado grego produziu a recessão. O que deveria ter sido feito é uma política um pouco heterodoxa em que o investimento ou as medidas de liberalização da economia fossem implementados concomitantemente com o ajuste fiscal. Faltou essa dose de bom senso. A dívida pública, em poder dos Estados da zona do Euro, que hoje está na mão do Fundo de Estabilidade Europeu, deveria ter sido renegociada nos mesmos termos que a dívida privada foi. Há uma porção de erros na gestão da dívida e na administração do programa de ajuste fiscal. Agora, insistir nisso é errado. Mas, por outro lado, o governo grego também mostrou uma responsabilidade total na forma como negociou. Houve erros das duas partes, só que não vamos nos esquecer que o devedor aqui é a Grécia. Se um marciano perdido hoje pousasse sua nave espacial e acompanhasse todo o desenrolar das negociações, acharia que a Europa que deve para a Grécia. Essa é a interpretação que eles teriam em função do posicionamento que os gregos tiveram nesse período todo de negociação. Mas quem deve é o governo grego. São eles que tiveram e ainda têm um desequilíbrio fiscal grande..
Tendo em vista os avanços da esquerda na Europa, o senhor acredita que a tendência na zona do Euro seja não tolerar o comportamento grego até para que a iniciativa se deflagre por outros países?
Esse é o ponto. Veja a encruzilhada em que estão Alemanha, Áustria, Finlândia, Holanda e outros países mais conservadores. Eles não querem a saída de um país do Euro, mas também não desejam incentivar outros, que venham a contestar as regras, a saírem. Além disso, um país em uma área geopolítica muito importante e sensível não só para a Europa, como para os Estados Unidos. Faz parte da Nafta. Você não sabe onde isso pode acabar. No momento em que começa a faltar produtos de subsistência no mercado grego, uma decisão ruim pode levar a outra decisão e comprometer todo o equilíbrio geopolítico daquela região. É uma situação muito volátil a que estamos vivendo agora. Se o “sim” tivesse vencido, as coisas estariam praticamente encerradas. Mas com a vitória do “não”, temos mais combustível nessa já volátil situação.
Mas se o “sim” ganhasse, não haveria uma revolta maior da população com a nova rodada de austeridade?
Isso seria interpretado pelos parceiros europeus como se o país quisesse ficar no Euro e respeitar as regras do bloco. A consequência seria a derrota do Syriza e, muito provavelmente, um novo governo de salvação nacional teria sido formado. Assim, as portas se abririam com mais facilidade. Neste momento, existe uma situação de confronto potencializada pela vitória do “não”. De qualquer forma, é nas horas extremas que temos o inesperado.
Se o dracma voltasse, quais seriam as consequências?
Isso nós já vimos aqui no Brasil, mas nunca estivemos em uma união monetária internacional. Além disso, é uma troca de moeda em um contexto de bancos fechados e controle de capital, o que torna as coisas mais difíceis ainda.Primeiro, haveria provavelmente uma taxa de câmbio fixada pelo governo. Isso deveria sofrer uma desvalorização real muito grande, seja pela introdução de mercado paralelo ou não – acho que dificilmente a Grécia deixaria essa taxa de câmbio livre. Mesmo assim, teríamos um mercado paralelo como na Argentina e na Venezuela e isso traria inflação generalizada, com os importados subindo ou sumindo das prateleiras. E aquilo que já conhecemos: essa situação perdura até quando, e se, similares nacionais comecem a aparecer no mercado grego. Não vamos nos esquecer de que a economia grega não é nada parecida com a brasileira e não tem nenhum parque industrial que consiga substituir os importados. Isso tudo terá que ser refeito quase do zero.
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