Uns e outros
É desalentadora a situação que vive o Brasil. Se o que mais se temia até meses atrás era a virtual ingovernabilidade do país, o que vinha levando os agentes econômicos globais a vê-lo com extrema cautela, eis que, às vésperas de mais um Natal, estamos de novo às voltas com o mesmo problema, dada a erosão visível que gangrena o "establishment" de Brasília. Se, a essa altura, nada mais pode surpreender o cidadão médio brasileiro, é irônico que tenhamos regressado rapidamente à berlinda em que nos encontrávamos. Se a crise ética perpassou ambos os momentos, há de se reconhecer que o último governo petista sucumbia a séria dificuldade de gestão. O atual, embora congregue melhores quadros, se vê contaminado pelo desgaste do anterior e, por efeito cumulativo, a falta de credibilidade lhe dá uma aura perturbadora até aos olhos dos que eram otimistas até pouco. Está muito difícil avançar quaisquer prognósticos a essa altura.
Mas, como reza o ditado, "a cada dia, sua agonia". No esforço de achar um oásis de tranquilidade nesses tempos turbulentos e eivados de incerteza geral, me chamou a atenção o que está se passando na Noruega. Pois bem, constatei que nem só de petróleo e bacalhau se vive na prosperidade de Oslo. De olho nos flagrantes erros de avaliação em que poderá incorrer o governo de Trump, eles se preparam para o pior. E, nesse caso, o perigo vem da Rússia. Vacinados com o que viram acontecer na Ucrânia, de par com o racionalismo militar do grande vizinho do Ártico, a pacífica Noruega não quer ficar refém do socorro alheio. Especialmente se a OTAN sair do radar de prioridades de Washington. Assim sendo, trata de treinar efetivos e equipar a defesa. Essa última é confiada a 26 mil militares; 45 mil membros da Guarda Nacional; 3 esquadrilhas de F-16; 6 submarinos Ula e 3 grupos de forças especiais. Ou seja, num oásis de tranquilidade, também se vive tensão latente de quem "não quer ser a próxima Crimeia".
Saindo da seara político-militar e entrando no campo subjetivo dos indivíduos e seus valores, os mais vividos por certo que levaram um susto ao deparar mês passado com o suicídio de um famoso fotógrafo inglês dos anos 1970-1980. Falo de David Hamilton, de quem já não ouvia mais falar há pelo menos duas décadas. Morador de Paris, frequentador assíduo da Brasserie Lipp e do Harry´s Bar, quando em Veneza, ele se notabilizara em seu auge por publicar livros com fotos de meninas nuas, ou quase. Digo quase porque havia uma nuvem vaporosa a cercar as modelos, o que conferia o toque de bom gosto que a estética da época valorizava. Se fotografar adolescentes já lhe valeria sérias sanções por pedofilia hoje, a isso se somem as acusações de assédio de muitas delas, hoje mulheres de mais de 40 anos. O inglês não aguentou a pressão e saiu da vida pela porta dos fundos. Se há uma clivagem entre delatores e delatados no Brasil, o mesmo paradigma pode se aplicar ao terreno dos costumes. O mundo dá voltas. O que era aceitável até ontem, é criminalizado hoje.
Em rápida incursão pela tecnologia, ganhou destaque semana passada aqui na Europa uma matéria veiculada pelo "Le Monde" sob o título de "Os algoritmos da vigilância". Se, fundamentalmente, nada há de muito inovador nos aspectos gerais do tema, corriqueiro nas lides da segurança pública contra o terror via TI, o destaque ficou por conta dos protagonistas. De um lado, Israel, com forte dispositivo tecnológico. De outro, os palestinos que vivem nas áreas contíguas. Ao que consta, os serviços de segurança têm três níveis de monitoramento de atividade suspeita. Os que estão enquadrados no nível mais alto de vigilância, têm seus acessos a redes sociais sob forte monitoramento: Facebook, YouTube, WhatsApp e SMS. Assim sendo quando um suspeito começa se deslocar em direção a áreas povoadas por israelenses, o desarmamento pode acontecer a metros do alvo. A reportagem mostrou o caso de uma mulher que foi flagrada com arma branca minutos antes de chegar a um controle em Hebron. De novo, uns e outros.
Já o russo Andrei Lankov, um dos mais notórios especialistas quando o tema é Coreia do Norte, assevera que o fim dos experimentos nucleares no país assinalariam também o fim do regime e que todo o prestígio do jovem ditador decorre dai. Pela ótica de Pyongyang, regimes antes sólidos como os de Sadam Hussein e de Kadafi – para não falar de países como a Ucrânia – só ficaram de joelhos perante seus opressores porque não contavam com uma forte arma de dissuasão, única maneira de conter apetites indesejados, segundo a doutrina. A propósito do Extremo Oriente, é crescente o desconforto da China com as primeiras ações de Trump junto a Taiwan, fato inédito desde a normalização das relações entre Pequim e Washington. Quanto a Tóquio, tratou de tirar partido do vácuo propositivo americano com a visita de Abe à Trump Tower. Indiferente às acusações de que a Rússia teria estímulo hackers da Macedônia e da Georgia para interferir nos rumos das eleições americanas, Putin parece ser o grande vencedor do xadrez geopolítico de 2016. Veremos os desdobramentos. Boa semana para todos.
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