O que 2016 ensinou?
Gostaria de encerrar minhas colaborações à revista AMANHÃ e ao blog "Ao Redor do Mundo" em 2016 com um mínimo de originalidade, mas temo que isso seja bastante difícil. Afinal, posso ter ficado um ano mais velho – e como fique i –, mas, essencialmente, as lições de hoje não diferem muito das de anos anteriores, o que me remete, quer eu queira quer não, à vala comum dos pensadores urbanos contemporâneos. Isso mesmo: aqueles de botequim. Mesmo assim, por dever de ofício, vou alinhar uma dezena de considerações que, eventualmente, poderão ser de serventia para os mais jovens. Tanto os filhos de amigos, de conhecidos, como algumas das centenas de estudantes e profissionais com quem falo todo ano no Brasil e no mundo. Nada de paternalismo aqui, hein? Tampouco esperem muita originalidade. Fim de ano é época de benevolência. Com esse espírito, vamos lá:
1 - Não hesite em eliminar de sua lista pessoas de má índole e de baixos instintos. Você tira um peso enorme das costas ao fazê-lo e a vida fica mais leve. Atente especialmente para aquelas que se revelam ingratas e manipuladoras, e que, não contentes com isso, ainda destroem pontes de amizade com terceiros. Faça um corte sem apelação, com direito a um vago "bom dia", se tanto, quando cruzar caminhos na rua. Por outro lado, lute feito um leão ensandecido para manter os bons amigos, mesmo quando divergências pontuais podem diminuir o pavio e levá-lo a pensar em adotar soluções radicais. Não faça isso. Pegue leve e tente um entendimento porque ao se comportar de forma implacável, você se assume perfeito. Ademais, é com amigos que sempre poderemos contar.
2 - Faça um esforço para ser pontual na vida e no que faz. Cumpra prazos e chegue no horário aprazado para seus compromissos. Mesmo que possa ser considerado "cultural" algum atraso, não seja condescendente consigo próprio nesse quesito. No mínimo, ao chegar no horário, você já estará em franca vantagem psicológica com respeito à outra parte. Nesse contexto, lute com todas as forças contra a tentação de procrastinar, de adiar, e deixar para depois coisas que pedem providências urgentes. Se isso se tornar contumaz, investigue o que está por trás do mecanismo de forma a neutralizá-lo. Aliás, os pragmáticos ingleses costumam dizer que tudo na vida começa com pontualidade. Inclusive, e sobretudo, os negócios. O desrespeito ao relógio no Brasil é um fenômeno quase endêmico.
3 - Se seus tempos de moldar a realidade começam a dar sinais de inflexão e se já ficou difícil, entre outras coisas, ganhar o bastante para neutralizar eventuais excessos de gastos, diminua as despesas e procure um ponto de equilíbrio mais baixo, que permita fazer mais com menos. Nunca esqueça que as boas coisas da vida são gratuitas e nos são dadas como dádivas. Se você perdeu a capacidade de curti-las e se todos os prazeres estão atrelados a diversão pagante, é péssimo sinal. Você pode ter sido picado pelo consumismo, essa verdadeira praga que assola a humanidade. Vi pessoas à minha volta infernizarem suas vidas por conta de querer atender pequenos ou grandes devaneios de consumo, concebidos para nutrir a vaidade e impressionar terceiros. Se quer impressionar alguém, recite Shakespeare ou Verlaine. Ou sirva um cafezinho com um sorriso. E basta.
4 - Aproveite o Ano Novo para cortar um vício desses que nos minam a capacidade de ser felizes e que comprometem, de uma forma ou de outra, nosso bem-estar. Na minha experiência, vejo que o cigarro é uma coisa terrível. Conheço dezenas de pessoas que já lutaram em vão para se desvencilhar dele, mas que, ao sucumbir ao tabagismo, voltam com duas vezes mais ímpeto de se dar uma dosagem crescente de nicotina. Conheço gente que sai no meio da noite de casa para comprar cigarro e que exala uma fedentina insuportável em lindas tardes de inverno, já que ficam impregnadas pelos cheiros enjoativos do alcatrão. Seja radical, mas se acautele contra os feitos colaterais de parar. Se os ganhos para a saúde são visíveis, as crises de temperamento podem vir a reboque e, fatalmente, acarretarão ganho de peso além do desejável.
5 - Nessa toada, acautele-se contra o Facebook e outras redes sociais. O sono das pessoas de há muito parece ter deixado de ser o que era antigamente. Conheço pessoas que dormem com um telefone ao alcance da mão e que ficam horas remoendo na cama, entretidas com conversa inócuas, quando não com joguinhos que, ao fim e ao cabo, terminam por excitar – não necessariamente na vertente que poderia ser saudável. Ademais, prescindir de boas fontes de informação e conhecimento em favor de gotas de ambas administradas por pessoas amigas cujos algoritmos nas redes estão fadados a ter um encontro mágico com o nosso, decididamente, não é lá muito abonador. Restrinja seus acessos ao Facebook – ou similares – a uma hora ao dia e acho que todos estarão ainda dentro de um limite generoso para saber o essencial do que precisam. No restante do tempo, viva.
6 - Procure tirar seu sustento fazendo o que ama. É patente que quem joga fora de sua posição – como um atleta improvisado numa prova que não constitui seu ponto forte –, desperdiçará ralo abaixo o melhor de si e, o que é pior, se tornará uma pessoa amargurada. Mesmo que sua opção signifique abrir mão de alguns ganhos materiais, saiba que, a médio prazo, investir naquilo em que você acredita ainda é a melhor solução para resplandecer. Conheço pessoas que passaram anos indo a um trabalho nauseante que nada lhes dizia. Os dias de frustração se somaram de forma tão destrutiva que, mesmo aposentadas, elas já não sabem enxergar no trabalho – qualquer um – uma fonte de realização e plenitude. Entregando-se ao ócio absoluto, aceleram o encontro com o fim.
7 - Não tenha medo de se apaixonar e de viver um grande amor com intensidade. É evidente que, em se tratando de pessoas de minha idade – 50 e muitos –, é bom que a temperatura seja constante e respirável, mesmo que alta. Não se vai querer regredir a tempos de adolescente a essa altura da vida. Mas tampouco se deve achar que estamos imunes a esses arroubos e transbordamentos. Se é muito bom viver sozinho, e se lidar com a solidão é condição impreterível para que possamos estar bem com alguém, não é menos verdade que é a dois que resvalamos a plenitude. Em meu caso específico, sou dos que podem alinhar meia dúzia de pontos dando conta da incrível capacidade das mulheres de complicar o que já é complicado e de tornar irrespirável uma situação difícil. Mas elas foram o sal de minha vida.
8 - Procure todo ano conhecer um lugar onde nunca esteve. E, para tanto, não se preocupe em ter farta munição de conhecimento sobre o local visitado. Chegue leve e tente por uma vez na vida passar ao largo de dezenas de informações supervenientes que só embotam o império dos sentidos. Faça como antigamente. Comece assuntando as pessoas e chegue ao que mais interessa por caminhos empíricos e sensoriais. É uma forma de botar a intuição para funcionar. Tem muita gente hoje que já não consegue percorrer caminhos na vizinhança de casa sem estar conectadas a certas geringonças de navegação que embotam toda autoconfiança por que deveríamos zelar. Da mesma forma, é bom cultivar relações novas com quem não nos seja necessariamente apresentado por fontes ditas confiáveis. Intuição, sempre ela.
9 - Escreva. Sim, isso mesmo, escreva. Se há um benefício patente nesses tempos em que digitamos o tempo todo, ele reside justamente na familiaridade que ganhamos com a palavra escrita. Ora, do momento que saímos da enumeração de fatos singelos e nos valemos da palavra para fazer uma incursão mais elaborada às entranhas da alma, acessamos um instrumento fácil e barato para explorar dimensões menos visíveis a olho nu. Ademais, falar de nossos problemas e dilemas, sem ter de dividi-los necessariamente com todo mundo, é uma forma de guardar material precioso para autoconhecimento, talvez o bem mais precioso que possamos ter na vida. De maneira que recomendo às pessoas que escrevam sempre e, de preferência, todo dia, nem que seja um pouquinho. À medida que virar hábito, os ganhos serão enormes.
10 - Por último, uma recomendação que vale para mim e que tentarei colocar em prática. Preciso abolir certa indolência e me exercitar pelos menos duas vezes mais do que faço. Em paralelo a medida tão penosa – dor nos joelhos, pinçada na coluna, etc – , preciso, em definitivo, começar a sair da mesa com um pouco de fome. Essa sensação de saciedade que tanto persigo não tem limites e chega uma hora em que compromete saúde e qualidade de vida. Nunca fui frugal, mas hoje a vida me mostrou que vive mais e melhor quem come menos e se exercita mais. Por fim, vá ao médico. Por mais previsíveis que eles sejam, às voltas com suas recomendações na linha de Ana Maria Braga, é sempre bom atentar para o fato singelo de que eles podem se sair com diagnósticos precoces de coisas desagradáveis. Portanto, bom senso e coragem.
Agora é pra valer: Feliz 2017.
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