Santa Catarina ganha realmente como estado importador?
Em 2005, o diretor de uma grande indústria em Caxias do Sul (RS) me disse que os produtos da China haviam melhorado de qualidade, mas continuavam com preços 30% a 40% menores do que os das indústrias brasileiras. Eles testavam os produtos chineses há cinco anos, e o que se "esfarelava" no início, "agora está em pé de igualdade". Naquele ano, a China respondia por 13,3% da indústria mundial, segundo dados da Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), publicados pelo Instituto de Estudos do Desenvolvimento Industrial.
Lembrei-me dessa conversa há poucos dias, quando fui comprar algo em uma loja em Tubarão (SC), dessas com milhares de produtos, e o que eu precisava só tinha "Made in China". Olhei os produtos de um lado e do outro na prateleira: tudo "Made in China". Aí bateu forte a curiosidade e, como estava com tempo, resolvi pesquisar nas prateleiras vizinhas, depois dos corredores seguintes, e quase tudo que vi também era fabricado na China. Devo ter corrido a loja quase toda nessa pesquisa, e sim, havia uma parcela (pequena), talvez uns 10% ou 15% do total exposto de produtos fabricados no Brasil. O restante era na China.
Difícil de acreditar, mas em apenas 16 anos a China mais do que dobrou a sua participação na indústria de transformação mundial, chegando em 2021 com 30,5%. Na sequência, os Estados Unidos, com 16,8%; o Japão 7%; a Alemanha, 4,8%; Índia, 3,2%; Coreia do Sul, 3,1%; Reino Unido, 1,9%; Itália, 1,8%; França, 1,8%; Taiwan, 1,6% e em 15º lugar o Brasil, com 1,2%. Mesmo sabendo-se que parte importante das exportações industriais da China é de fábricas estrangeiras instaladas no país, essa alteração tão significativa e em tão pouco tempo da sua participação na indústria mundial é muito impactante, principalmente para o Brasil, que teve reduzido quase pela metade (de 2,2% para 1,2%) o seu quinhão no mundo no mesmo período.
Se a situação atual assusta, coloque o cinto, pois vem mais: a China caminha rápido para atingir um patamar de desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação na área industrial de fazer corar os mais otimistas. A leitura do plano quinquenal específico ajuda a imaginar como deverão chegar em 2049. Enquanto isso, Santa Catarina segue multiplicando as importações da China. Os dados sobre o comércio exterior divulgados pelo Núcleo de Estudos da Economia Catarinense, da Universidade Federal de Santa Catarina, revelam a inversão completa ocorrida, no estado outrora exportador: de superávits de US$ 1,3 bilhão a US$ 3,4 bilhões, de 1997 a 2008, para déficits crescentes, a partir de 2009, até os US$ 17 bilhões em 2022. Nem tudo é da China, é verdade: dos US$ 29 bilhões de importações em 2022, as compras da China atingiram US$ 11,5 bilhões (quase dez vezes mais as exportações de Santa Catarina para o país: US$ 1,6 bilhão), e bem próximo do total de exportações catarinenses (US$ 12,2 bilhões) no ano. Enquanto importa mais produtos manufaturados, o estado segue sendo "o maior produtor de suínos e segundo maior produtor de aves do Brasil", com US$ 3,8 bilhões de exportações do agronegócio em 2022.
Esses números todos produzem duas grandes dúvidas. A primeira: sobre o que realmente ganha Santa Catarina, com a sua condição de estado importador, ao invés de exportador, como era até 2008. O divisor de águas responsável por essa façanha foi o programa "Pró-Emprego", criado em 2007, no governo Luiz Henrique da Silveira, à revelia do Conselho dos Secretários da Fazenda (Confaz), com incentivos fiscais para empresas importadoras, que resultou de 2009 até 2022 em US$ 95 bilhões de déficits somados da balança comercial. Há vários aspectos importantes a serem analisados nessa lógica importadora, defendida por uns e outros como boa para o estado ("gera empregos e impostos"), e até agora sem comprovação efetiva dos argumentos utilizados (quantos empregos foram gerados? Com qual massa salarial? Quanto aumentou a arrecadação de impostos? Que empresas foram beneficiadas?). De concreto, somente a prática esdrúxula, em termos econômicos e ambientais, de levar de caminhão para outros estados mercadorias que chegaram em Itajaí transportadas por navios.
A segunda grande dúvida é em relação à necessária "reindustrialização" do Brasil, tão sonhada, pretendida e prometida nos últimos 20 anos. E que não acontecerá, porque sem baixar os custos de transportes e de financiamento de maneira significativa a indústria brasileira nunca será competitiva internacionalmente. E baixar esses custos, no caso do Brasil, significa investir muito em ferrovias e hidrovias e romper o domínio total do setor financeiro sobre a economia, como fez a China, por exemplo.
Perguntamos em artigo ("Não existe um Plano B") na edição 281 de AMANHÃ (relembre aqui, mediante pequeno cadastro no Portal) qual era a estratégia do Brasil na relação com a China. Agora cabe perguntar se realmente "jogamos a toalha" na disputa pelo mercado mundial de manufaturados, ou se há disposição para fazermos como a Índia, por exemplo, que passou de 13ª maior em 2005, para a 5ª maior em 2021, e Indonésia e Turquia, que também deixaram o Brasil para trás. O melhor exemplo de que é possível "virar o jogo" talvez seja o da Índia, que subiu de 1,7% de participação mundial em 2005, para 3,1% em 2021, sentido inverso ao realizado pelo Brasil.
Fazer o que a Índia fez com a sua indústria na disputa mundial, em tão pouco tempo, é realmente uma proeza das boas. Com a sua população ultrapassando a da China em 2023, e sem a água, área agricultável, rebanhos e "capacidade instalada" de produção agropecuária e agroindustrial do Brasil, a Índia não pode se dar ao luxo de fazer como o Brasil e, em especial, Santa Catarina: importar bilhões de dólares de produtos industriais que fabricamos ou temos as condições de fabricar, e vender produtos "in natura" (ou pouco mais que isso), como fazíamos há um século.
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