O churrasco e o Fator Weiske
Quando comecei a trilhar meu caminho profissional, as escolhas aconteceram por exclusão. Se seguisse a vontade de meus familiares, teria me tornado diplomata de carreira, a serviço do Estado. Dois fatores, porém, pesaram seriamente contra o progresso por essa linha. O primeiro foi que, paradoxalmente, já aos 20 anos, rodara dezenas de países e aprendera umas tantas línguas. Ora, o que era para ser um valioso trunfo, se tornou fator desestimulante. Pois para mim estava claro que outros caminhos poderiam me levar ao mundo, sem que para tanto eu tivesse que ficar encastelado numa repartição, desempenhando tarefas que me pareciam monótonas e repetitivas. Encontraria na iniciativa privada meu rumo. O segundo fator de desestímulo foi a perspectiva de ficar baseado compulsoriamente em Brasília, quando no Brasil, cidade com cujo carma não encontrei quaisquer afinidades quando lá vivi, muito pelo contrário. E assim terminei desaguando no comércio exterior, onde ocupei posições de destaque em alguns setores fortemente vocacionados para a exportação. Estava escrito.
Nesse contexto, uma das lições mais árduas que aprendi veio como confirmação a uma espécie de truísmo que estava na boca de todo mundo: recuperar um mercado é mais difícil do que abri-lo. Será? Como audacioso desbravador de fronteiras, eu sabia o quão era duro dar as caras em determinado país e começar do zero. Quantas vezes não fizera isso? Dezenas ao ano por décadas. Mas a verdade cristalina da afirmação tomou forma na década de 1980 quando o presidente do conglomerado em que eu trabalhava, Dr. Antonio Ermírio de Moraes, resolveu postular a cadeira de governador de São Paulo. Pressionado por industriais brasileiros a lhes disponibilizar filamento de rayon viscose, me vi compelido a autorizar a volta a São Paulo de containers prontos para ser embarcados em Santos. A situação dele – que acabou perdendo a eleição – era desesperadora. Finda a aventura política, fui me explicar junto aos importadores mundo afora que tinham ficado desassistidos, depois de depositarem confiança em nossos princípios. Fui recebido com frieza, muitas vezes com alguma hostilidade.
Nenhuma reação me deixou mais desconcertado, contudo, que a do velhinho Karl Weiske, de Hof, Alemanha, que então vivia os últimos meses de vida. Quando lhe expliquei o ocorrido, ele balançou a cabeça em descrença, como um padre no confessionário diante da ignomínia do pecador. Louvou meu gesto, mas disse que mesmo tendo tempo de rever seus atos, relutaria em nos dar outra chance. Com nossa defecção, perdera muito dinheiro porque tivera de comprar dos concorrentes para honrar compromissos. E evocou seu pai e avô, homens que atravessaram campos minados durante guerras, com neve na cintura e caixas nas costas, para não falhar junto aos clientes. Jamais voltamos a ter uma chance. É, portanto, com desolação que vejo o que aconteceu à carne brasileira. Quaisquer que tenham sido as razões e as formas de anúncio do sucedido, engatou-se uma vigorosa marcha-a-ré que demandará imenso e dispendioso esforço de recuperação. O pior nesse caso, é que os bons pagarão por alguns pecadores, o que não é de todo inédito na crônica do mundo.
Assim sendo, e por muitos anos, o assunto ainda estará impregnado de conotações negativas, minando a imagem de um produto convivial que estava profundamente ligado ao imaginário do que era o Brasil na cabeça do mundo. Churrasco era mais do que comida. Era um estado de alma. Pedia caipirinha, informalidade e integrava uma espécie de patrimônio cultural nacional. Espero que uma campanha agressiva e global possa arrefecer o impacto negativo. Mas se aplicarmos ao caso o que passei a denominar de o Fator Weiske, devemos nos preparar para prolongada estiagem e custosa ação de esclarecimento. Isso porque um dos pilares de nossas exportações e estilo de vida se viu trincado por uma marretada vigorosa. Inveja mesmo tenho daqueles que vivem a repetir o mantra de que Deus é brasileiro. Já não fossem tantas nossas mazelas, essa é tão dolorosa que, respeitadas as proporções, equivale a ver um filho seriamente acidentado, sem prazo para sair do estado comatoso. O Brasil, para mim, continua sendo um adolescente trapalhão que não dá uma semana de sossego contínuo aos pais.
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