Ficará mais difícil...
Sempre foi difícil lidar com a China, principalmente para quem vende – ou tenta vender – para empresas e governos do país. Agora ficará mais difícil para as empresas do Brasil, porque apesar do pragmatismo famoso dos chineses, eles não engolem desaforos. Nem precisam engolir, estão com a faca e o queijo nas mãos: o mundo inteiro quer vender para a China, atrair investimentos chineses e comprar seus produtos baratos e cada vez mais com maior qualidade.
Diferentemente do Brasil, os Estados Unidos têm “bala na agulha” de sobra, para brigas políticas e comerciais com os chineses, pois suas importações crescentes da China geram superávits cada vez maiores – só no período Donald Trump (2017/2018), chegaram a quase US$ 800 bilhões, segundo dados do governo sobre o comércio exterior. Quando fui à China pela primeira vez, em 1997, o superávit dela com os EUA foi de US$ 50 bilhões. Logo depois, o superávit dobrou (US$ 103,1 bilhões, em 2002), e em seguida dobrou novamente (US$ 202,3 bilhões, em 2005). Em 2012, atingiu US$ 315,1 bilhões. Ano passado, o recorde paradoxal: US$ 419,2 bilhões. Tanto dinheiro a mais para a China pelas compras dos EUA, todos os anos, é o grande trunfo do presidente norte-americano para exigir concessões por parte dos chineses, a quem ainda acusa de “roubo” de direitos autorais. A China, por sua vez, conta como trunfos com os fatos de deter o maior volume de Letras do Tesouro dos EUA, US$ 1,1 trilhão em janeiro deste ano; sediar milhares de empresas norte-americanas, responsáveis por boa parte das exportações “Made in China”; e importar dos EUA US$ 115 bilhões por ano.
É compreensível que Trump queira aliados em sua guerra comercial com a China, porque já se passou um ano desde que anunciou que passaria a impor tarifas sobre produtos chineses. Até agora não conseguiu mais que tarifas sobre muitos produtos norte-americanos e cancelamento de compras por parte do governo chinês. O que não é compreensível é o Brasil entrar de graça nessa disputa já que toda a sua vantagem está na venda de produtos agropecuários para a China – e esta vai jogar com a importação da soja, lácteos e carnes dos EUA como moeda de troca na negociação com Trump. O Agro norte-americano ganhará o cliente dos sonhos, e de quebra, jogará para escanteio o maior concorrente que tem no mundo.
A boa notícia, no meio desse desastre, é que é possível recuperar o maior cliente do Brasil desde 2009. Por uma razão de princípio: não interessa aos chineses depender da compra de comida dos EUA, assim como não lhes interessa depender da compra de carvão mineral deles, apesar de também precisarem muito. Recuperar o cliente China é possível para o Brasil, mas isso não será fácil nem rápido. Já recuperar os investidores da China será mais difícil, demorado e caro, pois todos os sinais emitidos até agora foram para afastá-los. Requer primeiro recuperar a imagem da economia e dos governos federal e estaduais. E fazer a “lição de casa”, retomar o trabalho institucional, visando fortalecer o relacionamento das empresas, entidades empresariais e governos brasileiros com as empresas e governos da China.
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