Semmelweis: a solidão de quem vê longe

Ele pagou caro pelo pioneirismo em apontar o que hoje nos parece óbvio
Na França, sou informado de que as desinfecções hospitalares são objeto de um relatório semanal. O índice de septicemia já chegou a 5%, e estabeleceu-se que o máximo tolerável seria de 2%

De Paris (França)

A segunda-feira pré-desconfinamento não dá margem a grandes digressões nessa Paris primaveril, que amanheceu sombria e friorenta, inamistosa e impessoal. São muitos os rumores de que o coronavírus está disseminado no ar em Île-de-de-France, onde está a capital, e tem gente que já duvida que possamos sair da toca no dia 11, como tinha sido anunciado. O sistema hospitalar simplesmente não toleraria uma recidiva, agravada pela quantidade de pacientes de enfermidades crônicas que estão protelando seus tratamentos. Demais, a segunda onde teria enorme virulência, como no passado.

Contrariamente ao que vemos na China e nos países orientais, as chamadas distâncias-barreira por aqui são difíceis de observar, e uma viagem de metrô pode ser fonte de infecção poderosa. Se é sabido que não poderá haver tranquilidade até a descoberta de uma vacina, nunca é demais, em terras de Louis Pasteur, evocar uma figura que eu desconhecia até pouco. Trata-se de um médico húngaro chamado Semmelweis. Obstetra de ofício, eis que ele cometeu uma heresia para os padrões da época: recomendou aos colegas que lavassem as mãos antes de entrar nas salas de parto.

Ora, tanto em Budapeste quanto em Viena, onde foi francamente hostilizado até pelo sotaque e pelas origens, não era raro que os médicos saíssem das salas de dissecação e autópsia, e fossem atender as parturientes na ala ao lado, sem tomar este cuidado mínimo de higiene. O alto índice de óbito era atribuído à fatalidade, não ocorrendo à classe que os vetustos médicos pudessem ter as mãos sujas. Onde já se viu? O desconhecimento da vida microbiológica vista em microscópios viria só um pouco mais tarde, e daria razão ao cientista que morreu num asilo psiquiátrico, e a quem tanto devemos.

Na França, sou informado de que as desinfecções hospitalares são objeto de um relatório semanal. O índice de septicemia já chegou a 5%, e estabeleceu-se que o máximo tolerável seria de 2%. Nesse contexto, lembro de Tancredo Neves. Presidente eleito, disputado pela soberba e vaidade dos médicos, numa de suas cirurgias o entra e sai de pessoas "credenciadas" era escandaloso. Nesses dias em que todo o mal começa, comprovadamente, pelas mãos, nossa homenagem ao dr. Semmelweis, que pagou caro pelo pioneirismo em apontar o que hoje nos parece óbvio. E que nem sempre respeitamos. 

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Quarta, 11 Dezembro 2024

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