A hora é de pragmatismo, conclama Erasmo Battistella
Nenhum empreendedor brasileiro soube tirar tanto proveito da política brasileira de produção de biodiesel, inaugurada em 2004, quanto Erasmo Carlos Battistella (foto), que por causa do nome, inspirado no astro da Jovem Guarda, vez por outra é chamado de “Tremendão do biodiesel”. Tremenda, mesmo, foi a ascensão de Battistella. De aprendiz de agricultor no noroeste gaúcho, virou arrendatário de posto de gasolina aos 20 anos. Trabalhando sem dar descanso ao corpo e nem à cabeça, virou dono de dois postos graças à capacidade de vender ideias por vezes vistas como mirabolantes – como a de apostar pesado na decisão do governo, em 2004, de adicionar 5% de biodiesel ao diesel comum. Conseguiu atrair um sócio do peso da Petrobras, tornou-se o maior produtor brasileiro de biodiesel. Agora, ruma ao Paraguai para instalar uma bilionária planta de biocombustíveis avançados. Na entrevista a seguir, Battistella conta como vê o Brasil em uma fase de mudança de ciclo econômico.
Quais são as possibilidades de romper esse longo ciclo de recessão e estagnação da economia?
Como empresário e brasileiro, eu acredito muito no Brasil. E tenho certeza de que o Brasil é um dos países que têm maior potencial de crescimento em razão de várias condições que possui – por seu tamanho, seu povo, suas características geográficas, seus recursos naturais. E, também, em função de nosso potencial na produção de alimentos e de energia renovável. Então, por esse conjunto, eu acredito muito no Brasil. Agora, não podemos negar que a gente está começando a sair da maior crise econômica de nossa história. Desde que o Brasil foi descoberto, nunca tivemos uma crise econômica tão aguda e prolongada. Além da crise econômica, nós passamos por uma crise institucional e de credibilidade muito grande por tudo que nós vivemos no Brasil. Mas isso é passado.
E agora?
No presente, a população brasileira colocou muita esperança em uma mudança. Iniciamos 2019 com nível de expectativa muito alto na imediata retomada da economia, com crescimento do PIB e geração de empregos. Mas, como nós precisamos de mudanças estruturais, a expectativa inicial de que as coisas iriam fluir mais rapidamente não foi atendida. Estamos vendo o ano começar um pouco mais truncado do que imaginávamos.
Olhando para a frente, qual é o cenário?
A nossa visão é que, antes de mais nada, o Brasil precisa das reformas. É necessário e fundamental começar com a reforma da previdência, depois passar pela reforma tributária para, então, atacar todas as mudanças que nós precisamos, como a reforma política. Sem estas reformas, o país não vai deslanchar, e continuaremos a ser o tal “país do futuro”, futuro que nunca chega, como mostra a história do Brasil. Eu voltei não faz muito de uma viagem internacional. Estive participando de eventos financeiros em Nova Iorque e Washington, e existe essa visão, bem clara, de que, se as reformas acontecerem, o futuro começa a virar realidade. Eu vejo muitos colegas e empresários empolgados em fazer investimento, mas querem ter certeza de que as reformas vão acontecer. Todos na expectativa de que vamos ter uma previdência saudável, que não vai impactar e desequilibrar as contas públicas. Que vai haver uma carga tributária mais equalizada, que nos dê competitividade em relação a outros países. E que vamos ter uma taxa de juros para investimentos adequada, de modo que o setor produtivo não trabalhe só para pagar juros, e sim para gerar riqueza e mais emprego. Essa é a visão que eu tenho para o Brasil.
Essa é também a visão de investidores externos?
Sem dúvida. Eles só estão esperando estas reformas acontecerem – principalmente os investidores de médio e longo prazo. Já está entrando capital externo no Brasil, mas são recursos de curto prazo, de especulação. Este tipo de capital também é importante, porque ajuda a diminuir o custo do dinheiro para as empresas e para todo o setor produtivo. Mas nós precisamos atrair, e em volume bem maior, aquele dinheiro de médio e longo prazos, porque é um capital que vem para cá buscando uma atratividade que não é tão ligada a altos retornos no curto prazo, e sim a uma segurança jurídica a longo prazo. O que eu ouvi lá fora dos grandes fundos de investimento vai nesta linha, “Olha, nós já temos recursos alocados no Brasil, mas podemos aumentar muito os investimentos que fazemos em diversas áreas, desde que a gente veja as reformas serem aprovadas para que o Brasil tenha realmente uma rota de crescimento, uma sequência, e não uma recuperação de apenas dois ou três anos”.
Qual área de negócios é mais atraente ao investidor externo?
Com certeza é a infraestrutura. É a número 1, hoje. Somos um país de dimensões continentais e temos uma infraestrutura muito defasada. Outras áreas que estão sendo olhadas com interesse são aquelas ligadas à exploração dos nossos recursos naturais: minério, petróleo. E no mesmo patamar aparecem as oportunidades ligadas à agropecuária, e que têm relação com toda esta grande área que envolve produção de alimentos e agroenergia.
Como fundador de uma empresa de biodiesel assediada por fundos de investimento, você percebe neles sinais de confiança em um possível protagonismo do Brasil em produção de energia renovável?
O Brasil é muito respeitado na parte de energias renováveis: etanol, biodiesel, energia eólica, hídrica, agora começando a ganhar espaço com a energia solar. Ou seja, nosso trunfo não é uma fonte de energia somente e não envolve só combustíveis líquidos, mas também energia elétrica. Isso é muito importante para se criar essa massa de investimentos em energias renováveis, que se consolida como uma área estratégica para o Brasil. Mas há algumas definições que ainda precisam ocorrer e que impactarão bastante o setor. O Brasil terá uma política clara de como vai tratar os combustíveis? Então, o mercado lá fora espera que o Brasil adote para sempre uma política de mercado nos preços de energia e combustíveis. Se isso acontecer, vai aumentar ainda mais a atratividade de investimento nas energias renováveis. Esse movimento, esse novo olhar do governo para o setor de energia e para a questão da precificação, estão sendo observados e são fundamentais para que nosso setor se torne atrativo para receber mais investimentos.
Na prática, o que estaria, hoje, em desacordo ou não totalmente alinhado ao que o mercado espera, na cadeia de energias renováveis? Que ajustes são necessários?
Acredito que os ajustes são estes que o próprio governo está colocando. Por exemplo, no segmento de combustíveis, reorganização tributária e precificação de acordo com o mercado, além de uma abertura para a participação de outros agentes na cadeia produtiva, de modo a realmente abrir o mercado para que a gente tenha livre concorrência e não haja mais monopólios em energia. Se isso acontecer, nós teremos mais capital do exterior investindo em energia. É uma visão clara que vem de fundos, de bancos de investimentos e de empresários que querem investir no Brasil. Quanto mais o mercado é a regra, melhor para nós, porque estaremos aumentando a atratividade de investimento. Quando falo de atratividade de investimento, não falo só do externo, mas também do capital interno. Muito empresário no Brasil tem projetos para fazer investimentos e estão aguardando para ver como fica essa política. E certamente vão tirar projetos da gaveta para aumentar o nível de investimento. Portanto, não é só dinheiro do exterior, não. Tem muito dinheiro dentro do Brasil esperando as regras ficarem claras.
A expectativa de todos esses investidores é de que estruturas monopolistas, inclusive no petróleo, sejam claramente abertas à concorrência?
Sim, e isso é em todas as áreas do segmento de energia, seja em combustíveis, energia elétrica... O monopólio sempre afasta investimento, inibe competitividade. Para os consumidores, a concorrência é saudável desde que as regras estejam claras e que as agências reguladoras funcionem de forma independente. Quanto mais técnicas forem as agências reguladoras, melhor. O nome já diz: é uma agência que regula. E quem regula são os técnicos. Eles é quem têm de tomar conta das áreas. Isso serve para todos os segmentos, não só para a área de energia.
Com as mobilizações pelo mundo cobrando providências contra as mudanças climáticas, qual deve ser a postura do Brasil diante das metas de redução de emissões estipuladas no Acordo de Paris?
O Brasil vem bem no cumprimento do Acordo de Paris. Para ser justo, não é uma questão de agora. Se voltarmos aos governos anteriores, todos se preocuparam em aderir e se manter em linha com o acordo internacional do clima. Tivemos a construção de políticas públicas de médio e longo prazos que são fundamentais. Vimos o nascimento do programa de biodiesel, o crescimento do programa de etanol, o início e o crescimento da energia eólica e, agora, também da energia solar. No último governo, foi criado um programa chamado RenovaBio, que é um grande guarda-chuva de iniciativas de políticas públicas que vão fomentar biocombustível e outras formas de energia. Tudo isso faz com que o Brasil possa atingir seus compromissos. O RenovaBio deixa claro que o Brasil precisa diminuir as emissões em 10,1% até 2030 e manter as emissões controladas mesmo com crescimento econômico. Sem fazer uso de biocombustíveis e energias renováveis, o Brasil não teria como atingir essa meta. Mas vejo que o país está muito em linha com o acordo, está nota 10. Se o Brasil cumprir o que está na lei, vamos chegar em 2030 com um grande reconhecimento a nível global e recebendo grandes investimentos. Basta cumprir by the book o que está na lei.
Entre a necessidade de acelerar o crescimento econômico e, por outro lado, reduzir as emissões de dióxido de carbono, confrontam-se dois polos de pensamento. Como você vê este debate entre ambientalistas e desenvolvimentistas?
Eu não vejo esse debate como o tema mais importante nesse momento no Brasil. O setor produtivo amadureceu. No começo do governo atual, havia uma discussão sobre unir o Ministério da Agricultura e o Ministério do Meio Ambiente e muitas áreas do setor produtivo, do agronegócio, posicionaram-se contra isso, porque entendem que precisamos crescer e preservar o meio ambiente. Então, essa é a posição clara de muitas áreas de produção. Na última década, nenhum empresário com quem eu tenha conversado quer fazer o seu negócio de qualquer forma sem respeitar o meio ambiente, muito pelo contrário. A grande maioria das empresas, dos empresários e dos produtores rurais, querem preservar o meio ambiente e ganhar dinheiro com a preservação ambiental. Se estamos preservando mais o meio ambiente no Brasil, em algum lugar do mundo quem não está preservando tem de pagar isso pra gente. O setor produtivo do Brasil está preocupado em produzir de forma ambientalmente correta. Muitas vezes as informações é que são distorcidas. Tem gente que não produz um pé de soja, que não gera um emprego e quer sair falando asneira, dizendo que o Brasil não cuida do meio ambiente. Quem está no dia a dia gerando emprego está comprometido em preservação ambiental. Não queremos fazer a coisa de qualquer forma. Nos próximos 10, 15 e 20 anos, o Brasil tem de ter um consumo mais consciente e sustentável. O Brasil é um dos países que mais tem oportunidade de ganhar dinheiro com isso. É preciso colocar no centro da discussão como é que nós agregaremos valor à preservação ambiental, à produção correta sob o ponto de vista ambiental. Como geramos valor para o Brasil preservando florestas e usando a quantidade de biocombustível que usamos. Acho que a gente tem que deixar um pouco de lado a ideologia nesse momento e realmente focar para que o Brasil esteja na vanguarda dessa mudança que está ocorrendo no mundo.
A sua holding está fazendo um investimento significativo, de US$ 800 milhões (cerca de R$ 3 bilhões), no Paraguai, país que aliás vem atraindo investimentos de diversas indústrias brasileiras. Está se desenhando um processo de transbordamento dos investimentos industriais brasileiros para o Paraguai? É uma tendência? O que o Brasil deveria aprender com o Paraguai na construção de um ambiente amigável para os investimentos?
Sempre é bom esclarecer que o investimento no Paraguai não é da BSBIOS. Não podemos confundir. A BSBIOS tem dois acionistas: a Petrobras e a minha holding. No Paraguai, o projeto é da minha holding. Sobre o investimento: o Paraguai tem atraído investimentos tanto de brasileiros quanto de outros empresários mundo afora. Nos últimos anos, tem aumentado o número de brasileiros investindo lá. Por que estão investindo no Paraguai? São questões pragmáticas. Número 1: proximidade geográfica. Quem mora no Rio Grande do Sul ou em São Paulo leva menos de duas horas de voo. Número 2: o Paraguai tem uma economia estável e que vem crescendo sem parar nos últimos 15 anos. Número três: o custo tributário do Paraguai é o mais competitivo do mundo. Número quatro: o custo de energia elétrica, e não sou só eu que falo, corresponde a um terço do custo da energia elétrica no Brasil. Número cinco: o custo de mão de obra é 25% do que custa no Brasil – o salário é igual, mas o custo adicional ao salário é menor. Essa competitividade tem atraído empresários de diversas áreas. Eu fui convidado para fazer um estudo sobre investir no Paraguai. Fizemos o estudo e eu percebi que havia oportunidade. Começamos em fevereiro a segunda fase de um grande projeto no Paraguai para a produção de biocombustíveis, justamente por causa desses cinco diferenciais que eu enumerei. E existe mais um atrativo que é importante: o Paraguai tem produção de matéria-prima e é um campo fértil para o projeto Ômega Green, que vai produzir um biocombustível diferente, os chamados biocombustíveis avançados [ele se refere aqui ao HVO, óleo vegetal hidrotratado, e ao SPK, óleo de querosene parafínico sintético].
O programa de desinvestimento da Petrobras deve levar a companhia a se desfazer de sua posição no capital da BSBios, que é de 50%. Como este processo deve evoluir?
Como a Petrobras tem ações em Bolsa e uma participação governamental muito importante, ela tem regras de desinvestimento que seguem as normas de instituições públicas de controle. Esse processo começou no ano passado e não foi concluído, porque veio o período eleitoral, mudança de governo, substituição da diretoria da Petrobras... Mas agora, quando toda a governança da Petrobras já está com nova diretoria, a tendência é que esse processo de desinvestimento possa continuar nos próximos meses. Eu deixei clara a minha posição quanto a esse processo já no ano passado e sigo com a mesma disposição: tenho interesse em recomprar a participação da Petrobras, porque acredito na BSBIOS, acredito nesse mercado. Obviamente pode ser sozinho ou com parceiro, e eu tenho a minha estratégia como empresário, mas tudo só vai acontecer quando a Petrobras retomar esse processo. Quem define o tempo, o momento e a forma é a Petrobras. A gente tem de respeitar as políticas internas deles.
Como conselheiro do IEDI, o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, você está dando início a uma atuação mais ampla na liderança empresarial?
Não. Meu início em entidade nacional foi há mais de dez anos, quando fundamos a primeira associação dos produtores de biodiesel. Depois fundamos uma segunda entidade. Portanto, desde que eu entrei no mercado de biocombustíveis já atuo numa organização nacional, mas com foco no meu segmento de negócios. Faz dois anos que recebi o convite para ser conselheiro do IEDI e tenho participado de reuniões em que podemos aprender muito, porque, como o tema é inovação, temos ali a representação de praticamente todos os setores industriais do Brasil. É um fórum de grande representatividade.
Em que estágio se encontra a indústria brasileira do ponto de vista da inovação?
Acredito que o país está perdendo grande oportunidade no campo da inovação, porque não temos investimento muito grande com este foco. Temos, naturalmente, empresas que se destacam, além dos casos mais notáveis, como o da Embraer e também o trabalho que a Petrobras faz na área do pré-sal. Mas, enfim, as oportunidades que temos no Brasil são muitas, e poderíamos estar avançando bem mais. Há muitos estudos desenvolvidos dentro das universidades que não conseguem chegar ao mercado. Não conseguem transpor a barreira das investigações iniciais para fazer parte da pesquisa industrial e ter utilização dentro do processo produtivo. Muitas empresas querem inovar, mas estão com dificuldades muito sérias para simplesmente pagar as contas em dia, para sobreviver... E por outro lado estas empresas não conseguem acessar linha de crédito para inovação, porque não há políticas públicas de incentivo à inovação, ou são insuficientes.
Que prognóstico você faz sobre as retaliações comerciais recíprocas entre Estados Unidos e China, que compõem um dos principais fatores de incerteza sobre o crescimento da economia mundial. Acredita que o bom senso vai dissipar as medidas hostis, de parte a parte?
Eu acredito que sim. Em algum momento, China e Estados Unidos vão sentar e ter um acordo comercial construído. Essa guerra comercial não é positiva nem para a China, nem para os Estados Unidos, nem para o mundo. Quando a gente está em briga, não cresce. Ou cresce menos. Acredito que chegaremos a um entendimento daqui a alguns meses. Como são as duas maiores economias do mundo, também são os que mais perdem com a guerra comercial. Um acordo certamente terá impactos sobre todos os países, principalmente nos produtores de commodities, o que é o caso do Brasil. Num confronto, perdem todos.
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